Rosentina de Santana e Silva, Dona Iaiá por Sônia Sant’Anna

DONA IAIÁ

Era Dona Iaiá para os catalanos, para mim simplesmente a vovó Iaiá, responsável, com seus causos, memórias e modinhas, por ter esta goiana que lhes escreve, embora criada longe de sua terra natal, permanecido ligada ao seu estado e suas coisas, e guardar em seu coração um lugar especial para Catalão, onde passei algumas férias inesquecíveis.

Rosentina de Santana e Silva – a Dona Iaiá – nasceu na cidade de Goiás, em 1891, filha de Bárbara Augusta de Pádua Fleury e de Joaquim Augusto de Sant´Anna. Bárbara, mais conhecida como Bita, e Joaquim viviam em casa modesta, porém uma das mais alegres da velha capital.      

“Sobre o antigo canapé de palhinha da sala de jantar um violão afinado. Sobre o aparador um bandolim. Uma flauta na sua caixa aberta para quem quisesse, que saber acordes e dedilhar, cantar e declamar todos sabiam – a gente da casa e os amigos que chegavam.

Cantilenas, modinhas sentimentais, baladas românticas, acompanhamentos, valsas antigas.

Assim foi aquela casa.

Assim o velho Goiás de antigamente”

“Casa de Dona Bita”, Cora Coralina.

Instrumentos musicais, e livros, muitos livros, que Joaquim mandava vir do Rio e de São Paulo e fazia circular entre amigos e vizinhos. Iaiá foi a terceira filha do casal. Seus primeiros estudos foram feitos à antiga, em casa de Mestra Nhola, e ao ser aberta a primeira turma de normalistas na Cidade de Goiás, lá estava a Iaiá preparando-se para a profissão que lhe conquistaria o amor e o respeito de inúmeras gerações de catalanos. Em 1911 casou-se com o primo Hermógenes Ferreira da Silva, e em 1920, com um filho de cinco anos (meu pai, Sebastião) e duas filhas, foram morar em Catalão, onde lhes nasceria a filha caçula. Cidade pequena, ruas tortas e sem calçamento, poeirentas na seca, cobertas de lama no período das chuvas, e nas quais casas de alvenaria se alternavam com taperas. Boiadas a caminho da charqueada passavam por essas mesmas ruas, às vezes espalhando o pânico quando havia estouro da boiada. Quem precisasse sair à noite conduzia uma lanterna a óleo e, muitas vezes, arma de fogo, pois a cidade era governada por brabos coronéis e seus jagunços.

Os padres agostinianos haviam fechado seu colégio e Catalão não contava com qualquer estabelecimento de ensino. Dona Iaiá foi nomeada para dirigir o recém-fundado e logo depois extinto grupo escolar – seu Hermógenes tornou-se agente dos Correios. Com o fechamento do grupo, Dona Iaiá deu início ao Externato Sant´Anna, que funcionava na mesma casa em que residia a família. O colégio era misto, detalhe importante numa cidade em que muitas famílias julgavam supérfluo que suas filhas aprendessem a ler. Pouco depois chegaram as irmãs dominicanas espanholas, que abriram um Ginásio e Escola Normal para moças. A mulheres catalanas podiam enfim adquirir instrução.

No Externato Sant´Anna esta escritora que hoje vos fala aprendeu a ler, aos 5 anos de idade, e jamais esquecerei o nome da professora da classe de alfabetização, Dona Benzinho. Além de sua cultura, pouco comum à época para uma mulher interiorana, Dona Iaiá se destacou pelo pacifismo e bondade. Jamais tomou partido contra quem quer que fosse e não se curvava às ordens dos poderosos. Um caso contado por ela mesma ilustra essa afirmação: Ainda no tempo dos coronéis, o chefão que governava a cidade (se vovó disse seu nome, eu já o esqueci) havia mandado matar um desafeto. E mais, determinou que apenas os coveiros, ninguém mais, nem família nem padre, acompanhassem o enterro. Vovó não se intimidou, um cristão não podia ser enterrado sem que alguém dissesse as orações de praxe à beira do túmulo. De braços dados com vovô, vestida de preto, terço e livro de orações à mão, acompanhou o defunto à sua última morada, disse suas rezas e se retirou. O coronel nada disse.

Embora obediente aos preceitos morais vigentes, fazia distinção entre moral e simples costumes. Mulheres “direitas” não cortavam os cabelos, usados longos e em penteados elaborados. Ora, Dona Iaiá tinha mais o que fazer do que perder horas lavando, escovando e penteando cabelos – era dona de casa e mãe, dirigia uma escola, ajudava na igreja, fazia visitas aos pobres e escrevia artigos para o jornal local. Não havendo salões de cabeleireiro, foi ao barbeiro e pediu que lhe cortasse os cabelos bem curtos. O homem fez tudo para demovê-la, mas, ao ver que nada conseguia, pediu aos demais fregueses que deixassem o local, fechou as portas para não atrair curiosos e deixou vovó com o corte simples de cabelos que usaria até o fim de seus dias.

Sei que estou me alongando, mas não resisto a mais um caso que ilustra outra faceta de minha avó, a caridade sem assistencialismo. Uma mulher bateu à sua porta com uma criança desnutrida, imunda e esfarrapada. Dona Iaiá lhe disse que esperasse um pouquinho. Banhou o menino, remendou, lavou e secou a ferro suas roupas. Mas ao entregar à pedinte uma sacola com gêneros de primeira necessidade disse-lhe: Volte para buscar mais na semana que vem, mas quero ver a senhora e seu filho com roupas limpas, e de banho tomado. E vou lhe arranjar também algum serviço, para a senhora não viver mais de esmolas.

Vovó morreu longe de sua bem-amada Catalão, sempre se queixando das saudades. Meu avô estava gravemente doente, Catalão ainda não tinha hospitais, nem mesmo equipamentos para diagnosticar o mal. Seguindo os conselhos de Doutor Jamil Sebba, médico da família e grande amigo, papai levou vovô para Belo Horizonte, onde residíamos na época. A doença prolongou-se por vários anos e quando morreu vovô, minhas tias já não moravam em Catalão e vovó permaneceu em Belo Horizonte, onde tinha família.

Vovó, como tantos outros parentes, modernizou a grafia do nome para Santana, mas meu pai, meus irmãos e eu, e alguns primos, nos recusamos a escrevê-lo dessa forma”, Sônia.

 

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FOTO: Dona Iaiá, sua filha Maria Bárbara Sant’Anna e Silva, sua outra filha Maria Luísa Sant’Anna e Silva, seu filho Sebastião de Sant’Anna e Silva e seu marido Hermógenes Ferreira da Silva. De acordo com Sant’Anna, essa foto foi tirada por volta de 1932.

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FOTO: De acordo com Sant’Anna, sentada está Rosentina de Santana e Silva, Dona Iaiá. Na foto, a professora com suas alunas da época. Da direita para a esquerda, a filha de Iaiá, Maria Bárbara de Sant’Anna e Silva.

FONTE: http://sirmares.zip.net/arch2009-05-24_2009-05-30.html

FOTOS: Ivan Sant’Anna

 

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