Recordações da Academia Catalana de Letras – A Boca da Onça
A Academia Catalana de Letras recorda que Catalão também teve o seu sanfoneiro famoso. Não se chamava Luiz Gonzaga, mas quase, Luiz Gouveia. Ele fez tanto sucesso junto ao povo mais simples, que acabou dando nome a um lugar bem afastado da cidade: a Boca da Onça.
No seu bar, onde promovia pagodes nos finais de semana, haviam pintado, na parede externa, o desenho de uma enorme onça com a boca aberta. Nos arredores foram se formando pequenos inferninhos e o local, durante um tempo, passou a ser evitado pelas famílias de bem de Catalão. A Boca da Onça foi lugar de bebedeiras e festinhas à noite. Era bastante frequentada pela rapaziada mais simples e alguns inveterados boêmios da cidade.
Nas primeiras décadas do século passado, a saída dos trilhos para Ouvidor era um lugar maldito. Ali existia um acampamento de operários da estrada de ferro, com centenas de homens que construíam o ramal de Catalão até o rio Paranaíba. Nos finais de semana, o pessoal da ferrovia invadia a cidade onde permanecia, nos bares e praças, até a hora de pegar no trabalho novamente na segunda feira.
Não demorou e logo ocorreu um grave conflito que culminou no fechamento do acampamento e na paralização do ramal ferroviário.
O conflito entre os trabalhadores da estrada de ferro e o chefe político de Catalão, Isaac da Cunha, se deu por causa do assassinato de uma prostituta, Emerenciana Neiva, cometido por dois ferroviários bêbados. Ela era amásia do comandante do destacamento policial de Catalão, um alferes conhecido por “Suan de Vaca” devido a sua feiúra, alto porte e estrutura desengonçada.
De imediato, esse policial enviou um destacamento para vingar a sua amante. Mas, os ferroviários reagiram no acampamento, balearam um soldado e colocaram os demais pra correr. Suan de Vaca, raivoso e ofendido, pediu ajuda ao chefe político, Cel. Isaac da Cunha, que comandou um massacre aos turmeiros, na manhã de 05 de fevereiro de 1916, atacando as gôndolas repletas de trabalhadores que se dirigiam, de trem, para a frente de serviços, bem na saída de Catalão. Nove operários morreram na hora, além de um soldado e cerca de quarenta feridos.
Tentando escapar do fogo cerrado, o maquinista da locomotiva foi dando ré, atravessou a cidade até chegar perto da Velha Matriz, descarregando mortos e feridos no salão da velha escola Sagrada Família onde hoje funciona uma concessionária de veículos. Ali foram atendidos com ajuda da população, ocasião em que mais quatro faleceram, inclusive duas crianças.
Houve paralisação dos trabalhos na ferrovia, que somente foram retomados bem depois, após o assassinato do Cel. Isaac da Cunha em junho de 1917. Enfim, os trilhos chegaram em Ouvidor e Três Ranchos em 1922 e, depois de cruzarem o Paranaíba, alcançaram Patrocínio e Belo Horizonte em 1942.
Desse modo, com o término da estrada de ferro, o acampamento foi desfeito, virando um local ermo, desabitado, somente com uma estradinha, paralela aos trilhos, que dava acesso às fazendas da região.
Em 1951 começou a outra história do lugar. Na campanha para prefeito, o candidato Cyro Netto mandou vir de Paracatu um sanfoneiro para alegrar os seus comícios. Ganhou as eleições e o sanfoneiro, Luiz Gouveia, ficou por aqui mesmo. Construiu uma casinha com um bar anexo, bem na antiga saída para Ouvidor, nas imediações do velho acampamento ferroviário.
Ali, abriu o bar e o fole. Começou a promover os seus pagodes nos finais de semana e o local foi ganhando vida própria. Logo surgiram pequenos cabarés nas proximidades e inúmeros moradores que foram se apossando de terrenos nas redondezas. O bar se tornou referência e a Boca da Onça passou a denominar o lugar.
Virou um ponto alternativo de diversão para a rapaziada de famílias mais humildes. A área mais central da cidade tinha os seus cabarés refinados e luxuosos, enquanto a distante Boca da Onça funcionava com os seus inferninhos. No final da década de 1970, o centro exibia a sua Churrascaria Kambota e a Boca da Onça tinha a sua “Kambotinha” onde Dona Lourdes servia comida de primeira e o seu marido, Lázaro Joaquim, bebidas em geral.
O antigo bar do sanfoneiro Luiz Gouveia havia ganhado novo dono, Geraldo Gomes, antes de aparecer, mais tarde, a famosa Kambotinha.
Hoje, a Boca da Onça mudou até de nome. Pertencendo ao grande bairro São Francisco, conserva várias residências ainda nos moldes de antigamente.
Carrega um tonel de histórias a saudosa Boca da Onça.
FOTO: Antigas casas da Boca da Onça ao lado dos trilhos. (Foto: Silvio Lucas)
FOTO: Vista dos trilhos e parte do bairro Boca da Onça. (Foto: Silvio Lucas)
FOTO: Vista da Boca da Onça e suas casas interligadas. (Foto: Silvio Lucas)
FOTO: Na casa rosa, inteiramente modificada, funcionou a venda Boca da Onça e depois a Kambotinha. (Foto: Paulo Hummel Jr.)
Luís Estevam
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