RAÍZES DA INDEPENDÊNCIA E LIBERDADE EM CATALÃO

Entramos na Semana da Independência, época das comemorações do 7 de Setembro. Mais um ano em que não haverá desfile cívico por causa da pandemia. Apesar de tudo, a data constitui uma boa oportunidade para revisitar o passado da nação, que completa 199 anos de independência, bem como o de Catalão, na época, um longínquo arraial isolado no sertão.
O gesto político da independência brasileira, ocorrido em 7 de setembro de 1822, surgiu no seio da propria corte portuguesa residente no Rio de Janeiro. Demorou para que a notícia se espalhasse alcançando os recantos do imenso território nacional.
Na época, não havia rede de comunicação e as notícias andavam mesmo a cavalo. As autoridades de Goiás, por exemplo, somente ficaram sabendo da Independência do Brasil dois meses depois da histórica decisão de Dom Pedro I, através de uma carta que um padre de Franca enviou para a Cidade de Goiás, em novembro de 1822, comentando o assunto.
De fato, Goiás esteve relegado durante o período. Depois da derrocada da mineração do ouro, o território entrou em profunda decadência econômica. Tanto que, na época da Independência, o historiador Lemos Brito, ao fazer um balanço de todas as províncias brasileiras, preteriu Goiás. Registrou apenas que, de Goiás não há nada para falar. A sua renda não dá nem para pagar a meia dúzia de funcionários públicos que sustenta.
O cenário em Catalão, entretanto, não era o mesmo. Aqui não teve ouro e nem derrocada da mineração.
Quando o Brasil se tornou independente, o arraial do Catalão já ostentava um século de existência, sem extração aurífera e muito menos escravismo. O trabalho, no lugarejo, era de tradição livre, desde o início, voltado para a economia de subsistência com pequena comercialização de gado e produtos da lavoura.
Além disso, o modesto arraial servia como porta de entrada e saída do território goiano, servindo de ponto de pouso e estadia para os viajantes do litoral.
A bem da verdade, sempre foi um local mal visto pelas autoridades. No ponto de pouso do Catalão houve desvios de mercadorias, crimes hediondos, servindo de esconderijo para bandoleiros perseguidos pela justiça. E, houve muito atrevimento. Em 1736, por exemplo, mataram um graduado oficial paulistano, que chefiava uma escolta de 50 soldados que viera colocar ordem em Goiás. O assassino foi o filho de um velho bandeirante e o fato aconteceu bem na porta de sua casa comercial, no sitio do catalão.
Uma tentativa sutil de apagar o passado violento do lugarejo foi a criação da comarca do Paranaíba. Mas, o povoado não mudou de nome e a tradição venceu. De sítio, arraial, tornou-se vila e cidade, sempre com a denominação original: terra do catalão.
De fato, a ânsia de liberdade e da independência, em Catalão, somente pode ter vindo do seu fundador. Um homem originário da Catalunha, região que luta pela independência há séculos, de forma obstinada e incansável.
Na época da Independência do Brasil, aqui chegaram os primeiros migrantes de Minas Gerais, dado o esgotamento na ocupação das sesmarias em Araxá e região do Desemboque no Triângulo Mineiro. Em 1822, veio a família de Mariano da Silva, que se tornou conhecido pelas suas terras na fazenda dos Casados, ganhando a alcunha de Coronel Marianinho dos Casados. Em 1830, Roque Alves de Azevedo chegou de Bom Sucesso-MG, tornando-se um líder político em Catalão, de onde jamais saiu, cultivando terras na região de Olhos D’água. A partir daí, vieram levas de mineiros para cá, trazendo lotes de escravos.
No princípio, não eram pessoas de grandes posses. Na verdade, eram trabalhadores rurais, ousados e dispostos, que enfrentaram enormes desafios na lavoura e na criação de gado. No interior das fazendas antigas, não havia distinção aparente entre fazendeiro e agregados. A comida, a vestimenta e a rotina do trabalho homogeneizava a todos, encurtando o distanciamento social e a hierarquia. Aliás, ser “fazendeiro” era estar sempre fazendo algo, ocupado dia e noite na lida rural.
Assim, os catalanos, com independência na labuta diária, liberdade nas decisões e fiéis às tradições, foram construindo a sua própria história.
Com o tempo, Catalão demonstrou ter uma identidade vigorosa e seus filhos um caráter muito forte. Graças a localização geográfica, o município nunca pertenceu, de fato, nem a Minas, nem a Goiás. As decisões administrativas de Minas não abrangiam Catalão e as imposições políticas de Goiás não tinham força na localidade.
Os filhos de Catalão herdaram a desconfiança dos mineiros, mas renegaram a sua matutice. Desde cedo, assimilaram a modernidade e se voltaram para o comércio e indústria sob a influência de paulistas e de imigrantes estrangeiros.
Enfim, a identidade catalana, forjada na sua história, é bastante forte e o orgulho passou a repousar no cultivo da tradição. Os catalanos não costumam pisar em falso porque os fundadores do lugar e os antigos moradores jamais o fizeram. A tradição de independência e de liberdade continua viva e acesa no caráter dos filhos da terra.
Quadro de Pedro Américo, uma metáfora da independência, feito em 1888, em exposição no Museu do Ipiranga.
A bandeira oficial do Brasil logo após a independencia
Luís Estevam