Públio de Souza, O intendente sem medo
Com a instituição do Estado Novo por Getúlio Vargas, em 10 de novembro de1937, foram dissolvidos o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais. Os Estados passaram a ser governados por Interventores (de livre nomeação pelo Presidente da República) e os municípios por Intendentes (escolhidos pelos governadores). Iniciava-se um grande período de exceção, que duraria até 1945.
Em Catalão esse movimento também teve seus reflexos. Certamente seguindo os princípios tecnocratas do Estado Novo, que prometia uma gestão pública menos política e mais técnica, Pedro Ludovico nomeou Públio de Souza como Intendente em Catalão. Tenente da Polícia Militar do Estado, ele substituiu o intendente Luiz Alcântara de Oliveira, que contava com o apoio dos Sampaios, fato que os teria levado para a oposição ao governador. A nomeação de Públio teria sido motivada pela má repercussão do assassinato de Anthero da Costa Carvalho, ocorrida em agosto de 1936, durante a administração do Prefeito Anísio de Oliveira Gomide.
Mato-grossense de Cuiabá, nascido em 21 de janeiro de 1905, Públio era pessoa da confianca de Pedro Ludovico, e a orientação recebida foi “pacificar o ambiente político e modernizar a infraestrutura do município”, segundo informação de familiares do Intendente.
Contando com o apoio do Estado e sem a ingerência da Câmara Municipal, Públio revelou-se um administrador competente, apesar da adoção de algumas medidas polêmicas. Foram bem recebidas as ações do Intendente buscando a melhoria da infraestrutura da cidade, tais como:
1)A aquisição de maquinário para a Prefeitura, inclusive de uma patrol importada, puxada por bois, um trator e um caminhão, com os quais construiu ou recuperou boa parte das estradas municipais, entre elas as vias para Corumbaíba, para o pPorto Mão de Pau, para o Porto do Lalau e um bom trecho da estrada para Cristalina;
2)Adquiriu maquinário para a implantação de lavouras, incentivando a agricultura;
3)Fez grandes investimentos na educação, a qual encontrou em péssimo estado, implantando 28 escolas rurais e a construção de dois grupos escolares na área urbana;
4)Contratou uma equipe para a elaboração do projeto da ponte sobre o rio São Marcos, em direção ao então distrito da Barra (hoje Davinópolis);
5) Criou o serviço de coleta de lixo na cidade;
6)Implantou o serviço de combate à saúva, com o apoio de duas motos que adquiriu;
7)comprou um veículo para a Prefeitura, visando melhorar a assistência à população;
8)Doou o terreno para a construção da estação ferroviária;
9)Modernizou algumas ruas da cidade, implantando meio-fio e esgoto pluvial, além de determinar a demolição de alguns antigos casarões que prejudicavam o alinhamento das vias.
Impressionado com as péssimas condições das escolas da cidade, cedeu a sede da Prefeitura para que funcionasse como um Grupo Escolar (no local onde, futuramente, foi instalado o Colégio Anchieta), providenciando a sua reforma. Comprou uma casa para o funcionamento da Prefeitura.
Projetou e construiu um grande Grupo Escolar na Av 20 de Agosto, que foi, em outras administrações, usado como sede da Prefeitura, dos cartórios, do Fórum e da Câmara Municipal de Catalão, local que hoje sedia a Fundação Cultural Maria das Dores Campos.
Demonstrou desde o início a preocupação em higienizar, regulamentar e modernizar a cidade, o que o fez por meio da publicação de Editais firmados por Portugal Porto Guimarães, todos “de ordem do Sr. Tenente Públio de Souza, Prefeito Municipal de Catalão”, conforme nos informa o trabalho “Perspectivas de uma Nova Abordagem para a História de Catalão”, de autoria de Aline Maria da Fonseca Tavares, de 1995.
Nas ruas onde colocou meio-fio, determinou que os moradores construíssem calçadas, mas proibiu que nesses passeios fossem colocadas cadeiras, contrariando um antigo hábito dos habitantes da cidade de ali permanecerem ao final do dia. Depois, voltou atrás, certamente em razão do descontentamento da população, liberando a colocação de cadeiras nas portas das casas, desde que próximas às paredes. Muita gente foi multada ou teve suas cadeiras e tamboretes recolhidos ou destruídos.
No intuito de melhorar o trânsito dos carros-de-bois pela cidade, o principal meio de transporte da época, determinou restrições ao tráfego e às manobra desses veículos, especificando até as ruas pelas quais eles poderiam circular, além de criar uma “taxa do trilho”, que deveria ser paga para que o carro-de-boi transitasse pela cidade, imposto referente ao rastro deixados pelas rodas desses veículos nas ruas.
Preocupado com as condições sanitárias, Públio de Souza determinou que fossem eliminadas todas as bananeiras dos quintais das residências, muitas vezes utilizadas como mictórios, obrigando a construção de fossas sanitárias, as antigas “casinhas”.
Também proibiu animais soltos pelas vias da cidade, tais como cavalos, porcos e até cães, que deveriam ser amordaçados e matriculados. Os animais encontrados soltos eram retidos e sua liberação era feita somente após o pagamento de multas. Animais não procurados, em 5 dias iam a leilão.
Os açougues foram obrigados a revestir suas paredes com azulejos e a adotarem outras normas de higiene.
Insatisfeito com a estética da cidade e procurando modernizá-la, ofereceu incentivos fiscais para a construção e reforma de moradias, medida que, certamente, contribuiu para a destruição de grande parte do casario colonial que existia em Catalão. Providência que parece ter ido ao encontro do desprezo da população catalana com a preservação das antigas casas.
Com relação à situação fiscal e tributária da Prefeitura, Públio de Souza implantou uma gestão sem privilégios, com a cobrança de taxas e multas, obtendo substancial elevação na arrecadação municipal, o que sustentou financeiramente suas obras e ações.
Quando veio para Catalão, Públio trouxe dois importantes auxiliares: o topógrafo Luiz da Nova e Érico Meireles, que foi o seu Secretário na Prefeitura. Érico permaneceu em Catalão pelo resto de sua vida e trabalhou na Prefeitura até se aposentar. Em homenagem a Érico, o então Prefeito Haley Margon deu o nome dele ao prédio que sedia a Prefeitura da cidade. Haley também nomeou como Públio de Souza uma praça existente no Bairro das Américas.
Públio também trouxe a sua família, constituída pela esposa Armênia e a filha primogênita Niomar, tendo aqui nascido a sua segunda filha, Clotilde.
Destemido, o Intendente não se intimidava com a repercussão de suas medidas, tomadas à revelia dos interesses dos políticos locais. Mas, sabendo do perigo que corria, Públio andava escoltado, e a sua guarda não se acovardava diante dos seus adversários, que podem ter tido influência em sua saída precoce da Prefeitura.
Ele ficou na Prefeitura de Catalão de 10/12/1937 a 21/5/1939, mudando-se em seguida para Anápolis, para assumir um Cartório, lá permanecendo até por volta de 1942. Depois disso, assumiu um Cartório em Goiânia (que hoje leva o seu nome), onde ficou até se aposentar, em 1975.
Públio esteve menos de dois anos à frente da administração da cidade, período suficiente para que fizesse uma gestão revolucionária, que marcou o seu tempo.
FOTO: Públio de Souza no seu gabinete
FOTO: Casa onde Públio de Souza instalou a sede da Prefeitura
FOTO: Trator de esteira que adquiriu
FOTO: A patrol, o trator, uma das motos e um caminhão adquiridos por Públio
FOTO: Prédio onde hoje funciona a Fundação Cultural, em construção
FOTO: Ignácia Hummel ministrando aula em péssimas condições, mas cumprindo o seu ofício. Foto recebida da família de Públio, para mostrar como ele encontrou a educação, sem saber do parentesco.
FOTO: Despedida de Públio de Catalão. Ele está à frente, de terno branco, com uma filha no colo, ao lado da outra filha e da esposa
FOTO: Públio de Souza, na maturidade
Fotos do acervo da família de Públio, recuperadas por Rosana Hummel
Por Paulo Hummel Jr