OUVI NO RÁDIO – (Reminiscências da Guerra Fria)

Quando vivia em Brasília, vim certa vez a Catalão e aqui chegando tive uma crise de bronquite. Tomei alguma medicação e fiquei lá na casa da tia Nieta, onde eu me hospedava, entretido com um velho rádio que havia na sala de jantar, procurando alguma música pra ouvir.
No início da noite, chegou por lá o Antônio Hummel, meu tio, para jantar e ouvir seus noticiários, no mesmo rádio. Sabendo ser ele um assíduo usuário daquele aparelho, pelo qual acompanhava os programas das Rádios de Moscou e de Havana voltados para o Brasil, feitos em português, ofereci-lhe então o rádio, no que ele agradeceu, e ficamos conversando.
Perguntou-me por que eu não havia saído e ao saber do problema, disse-me que tomasse o chá de uma determinada raiz, dizendo que era excelente para essa doença.
Respondi-lhe que já havia experimentado de tudo, chás, garrafadas e muitos remédios, sem sucesso.
Foi quando ele usou um argumento mais persuasivo:
-Esse chá é bom! Era ele que o Guevara tomava! E ficava bom! – discorreu ele sobre a asma que perseguia o Che.
Espantado com a confidência, perguntei-lhe:
-Como é que o Sr sabe disso?
-Respondeu-me, após refletir um pouco:
-Ouvi no rádio!
Eu já conhecia diversos rumores sobre a luta do Antônio na guerrilha boliviana, ao lado de Che Guevara, mas essa foi a primeira vez que o ouvi citar o nome do líder da revolução cubana. Criança ainda, lembro-me que certa vez ele passou um bom período desaparecido, ausência sempre justificada pelos parentes como estar “fazendo um serviço fora”.
A experiência do Antônio Hummel na Bolívia talvez nunca venha a ser esclarecida, pois esse tema era um tabu para ele. Por diversas vezes tentei dialogar sobre esse assunto, mas sempre desconversava, negava ou minimizava essa sua aventura, um mergulho na fantasia socialista que habitou os sonhos de muitos daquela geração.
Acredito que a prisão que sofreu após a sua participação na operação conhecida como A Matança dos Porcos, sobre a qual já escrevi, o tenha traumatizado bastante, tornando-o arredio à questão.
Somente admitiu-me ter participado de uma reunião com o guerrilheiro argentino, em Goiânia, certamente durante uma visita do líder cubano ao Brasil, tendo sido, inclusive, condecorado pelo Presidente Jânio Quadros com a Ordem do Cruzeiro do Sul, em Brasília, em agosto de 1961. Essa visita a Goiânia não constou da programação oficial e nem há registros dela na mídia, o que não seria de se estranhar.
Relatou, ainda, um outro encontro com Guevara “na fronteira com a Bolívia”, e mais não disse. Respeitei o seu silêncio.
Como praticamente todos os envolvidos naquela guerrilha já estão mortos, inclusive o próprio Che, preso ferido e executado a tiros por soldados bolivianos na aldeia de La Higuera, na Bolívia, no dia 9 de outubro de 1967, possivelmente a história dessa experiência de Antônio Hummel naquele movimento esquerdista foi com ele para o túmulo.
Assim, continuaremos sem saber o que foi fato, lenda ou apenas mais um das histórias na vida do Toin Huma, como era mais conhecido nas quebradas.
(Por Paulo Hummel Jr)
Antônio Hummel, na década de 1970
Wilma Hummel (de pé), e sentados, da esquerda para a direita: Paulo Hummel Jr, Antônio Hummel, Lourdes Hummel e Maria da Conceição Hummel.
Fotografias recuperadas por Rosana Hummel