O Majestoso Prédio da Fundação Cultural Maria das Dores Campos
O prédio que abriga a Fundação Cultural de Catalão está em restauração. Foi construído na época do Estado-Novo, por iniciativa do governo federal, para sediar o Grupo Escolar 10 de Novembro, nome escolhido para relembrar a constituição, promulgada por Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937.
O Estado-Novo foi considerado, por muitos, como um regime autoritário, instituído pelo presidente Vargas para viabilizar sua permanência no poder. Um governo de nacionalismo exacerbado, instaurado de maneira arbitrária, sem o conhecimento e apoio da população.
A educação, de um lado, era vista como forma de propaganda política e de afirmação do novo regime, com ações previstas para todo o território nacional. A função educativa era controlada pelo Estado e não poderia ter postura neutra; pelo contrário, deveria tomar partido e assumir posições claramente estado-novistas.
De outro lado, entretanto, o ardor cívico, o respeito às tradições, a disciplina, a educação física obrigatória e os desfiles escolares foram heranças dessa mesma época.
Foi nesse contexto fortemente ideológico e controvertido que Catalão recebeu verbas federais para construção do prédio onde funciona atualmente a Fundação Cultural Maria das Dores Campos.
O edifício é lembrança viva de um período tumultuado, mas que representou uma grande conquista para Catalão e que necessita, de fato, ser reformado e restaurado. Mesmo porque, o prédio faz parte da memória política, administrativa, judiciária e legislativa do município.
A história daquele edifício começou no final da década de 1930, durante a gestão do tenente Públio de Souza. Nomeado prefeito de Catalão, Públio construiu várias escolas em bairros e na zona rural do município. Através do governador Pedro Ludovico, seu amigo pessoal, Catalão foi inserida no programa de interiorização educativa planejada pelo Estado-Novo.
O prefeito, com recursos federais, iniciou a edificação da escola em um largo terreno, bastante acidentado, nas proximidades do centro da cidade. Obedeceu a um projeto ousado, com geometria em Art Déco e estilo colonial, muito em voga na época. Valendo-se da brusca declividade do terreno, o prédio da escola ficou com vista para a Rua das Flores (trecho da atual avenida 20 de Agosto) criando dependências no porão, belas escadarias externas e um pátio destinado a exercícios físicos, hoje utilizado para estacionamento de veículos.
Públio de Souza, em 1940, foi convocado pelo governador para assumir novas tarefas, retornando para Goiânia. Foi nomeado em seu lugar, o gaúcho Armando Storni, correligionario de Pedro Ludovico desde 1930 e que já havia ocupado a prefeitura de Caldas Novas.
O prefeito Armando Storni ficou em Catalão até 1942 e na sua gestão foi concluído e inaugurado o Grupo Escolar 10 de Novembro. De acordo com o advogado e intelectual Randolfo Campos, em artigo publicado em 1941, o grupo escolar havia começado com 50 alunos e já contava com 500 novos matriculados aguardando a inauguração da sede própria.
O Estado-Novo durou até 1945, quando se instaurou uma nova constituinte federal, revogando as políticas de autoritarismo e centralização do poder instituídos por Getúlio Vargas. A Constituição de 1946 restabeleceu valores democráticos, com eleições diretas, liberdade de expressão e ampliação do voto feminino.
Com eleições municipais, o primeiro prefeito escolhido democraticamente, em Catalão, foi João Netto de Campos. Valendo-se do ambiente favorável a mudanças, buscou espaço físico para nova instalação da prefeitura municipal. Foi quando decidiu pela ocupação do imponente Grupo Escolar 10 de Novembro.
O problema de acomodação era bastante antigo. Houve um tempo, em Catalão, em que os órgãos públicos municipais, estaduais e federais disputavam espaços adequados para o bom desempenho de suas atividades. A população estava crescendo, as demandas sociais aumentavam e os edifícios públicos eram quase inexistentes.
A própria prefeitura, durante anos, dividia espaço nos cômodos da Agência Municipal de Estatística, enquanto a Câmara Municipal se reunia no mesmo prédio da Delegacia de Polícia, juntamente com o poder judiciário.
A partir da metade do século, entretanto, com a edificação do Grupo Escolar 10 de Novembro, suas dependências foram sendo ocupadas por órgãos públicos, tornando-se centro administrativo e jurídico de Catalão. A circulação de pessoas era intensa no local, pois o recinto sediava representações dos três poderes.
Tudo tivera início com a transferência da prefeitura para aquela escola, no final da década de 1940. A partir de então, houve uma vagarosa concentração de serviços públicos no edifício que abrigou, em suas dependências, o cartório eleitoral, o IBGE, o Detran, a sala de audiência do fórum, a coletoria, o gabinete do prefeito, dos juízes e a Câmara Municipal.
Em uma etapa posterior, passou a sediar a biblioteca municipal, a academia catalana de letras, além de comportar as diversas salas de aula da Fundação. Assim, o prédio constitui o mais antigo espaço do poder público em Catalão que continuou em atividade.
A Fundação Cultural foi criada em maio de 1993, por lei municipal, na gestão do prefeito José Moreira. A coordenação de sua implantação foi feita pelo acadêmico Otacilio Nascimento de Alcântara que, na época, assessorava diretamente o prefeito em suas decisões. Antes, existia a Casa da Cultura, entidade criada pelo prefeito Haley Margon, em 1985, que funcionava próxima ao Colégio Estadual.
Na época, os vereadores aprovaram, por unanimidade, Maria das Dores Campos para ser o nome oficial da Fundação. Afinal, em termos de educação, Mariazinha é um dos símbolos da cidade e deixou exemplo memorável de dedicação na área cultural. Foi professora por quase 60 anos, tendo sido coordenadora, supervisora, diretora, inspetora de ensino e orientadora de alunos. Além disso, dedicou-se a recontar a história do município, publicando livros e diversos artigos na imprensa regional.
Até a virada do século, os presidentes da Fundação Cultural foram, respectivamente, Edson Democh, Hélio Leão e Dan Ahsuero de Faria. Organizaram a entidade, elevaram o nível cultural do município, promoveram festas cívicas nos distritos e povoados, entre outras realizações.
Em 2001 foi criado o Conselho Municipal de Cultura, tendo na presidência Marlit Mendonça Netto e como membros, Suzete Elias, Rita Frezza Amorim, Maria da Glória Rosa Sampaio e Ismar da Silva Costa, responsáveis, entre outras medidas, pelo tombamento do prédio da estação ferroviária e sua transformação em museu.
O prédio da Fundação Cultural foi tombado em 2018, por lei municipal, na gestão de Adib Elias Júnior, e se encontra sob a responsabilidade de Patrícia Castro, filha do saudoso acadêmico Guilhermo Castro Moya. Professora e cientista social, a presidente da Fundação acredita ser a cultura um instrumento valioso de transformação social e que o cultivo artístico humaniza as pessoas.
Na verdade, o termo “cultura” tem vários entendimentos. No plano individual, refere-se à civilidade, ao conhecimento e apreço pelas artes que um cidadão pode demonstrar. Na dimensão social, contudo, refere-se à maneira de ser, conviver e participar dos indivíduos na coletividade. Neste último aspecto, todos têm “cultura” e a preservação das tradições é, por isso mesmo, fundamental.
A Fundação tem cerca de 800 alunos e conta com 20 oficinas de arte, tradicionais e modernas, em funcionamento. Patrícia Castro sabe que a cultura, no sentido amplo, carrega forte conotação social. O povo é que faz a história e que perpetua a cultura de um lugar. Por isso, além de outras iniciativas, implantou a modalidade “cultura urbana”, com hip hop, skate, desenho, grafite e rap, no elenco de oficinas da Fundação.
Com relação ao velho prédio, alguns administradores anteriores chamaram atenção para a estrutura do teto e deterioração da rede elétrica, oferecendo perigo constante de curto-circuitos no edifício. Nesse sentido, foi programada a sua restauração que, segundo cálculos técnicos, poderá demandar mais de um milhão de reais.
A parte elétrica deverá ser toda refeita, assim como o teto, forro, piso, salas de aula, biblioteca, copa, cozinha e banheiros. Além de uma correção necessária no palco e na área onde funciona o estacionamento.
No todo, mais de mil metros quadrados estão sendo reformados e restaurados em diversas etapas. Na primeira, estão sendo gastos quinhentos mil reais oriundos do Fundo de Arte e Cultura do estado de Goiás. As etapas seguintes serão custeadas com recursos da prefeitura municipal de Catalão, empenhados pelo prefeito Adib Elias Júnior.
Assim, a história continua. O prédio, construído como um monumento ao Estado-Novo de Getúlio Vargas, ganha sobrevida de acordo com as necessidades democráticas do poder público na atualidade.
FOTO: Vista frontal do prédio da Fundação Cultural em Catalão
Armando Storni, prefeito de Catalão de 1940 a 1942, quando se inaugurou o prédio que sedia a Fundação Cultural
Jornal editado pela Fundação Cultural no aniversário da cidade em 2001
Prefeito Adib Elias e a presidente da Fundação, Patrícia Castro, com a ordem de serviço para restauração do prédio em 2021
Maquete da parte externa na restauração prevista para a Fundação Cultural em Catalão
Luís Estevam