O BAILADO CONGADEIRO EM CATALÃO – DEVOÇÃO E RESISTÊNCIA
Tradição afro-ibérica congadeira, cortejos dançantes, raízes africanas, devoção e resistência. No despontar da Alvorada, ruas tortuosas em festas, ao som vibrante dos tambores, a batida cadenciada das caixas, o reco-reco, o pandeiro, o chocalho ritmado da patagonga, o tamborim, a sanfona e a dança coreografada. O som da África reverbera, inundava senzalas e terreiros, sob o batuque de matriz cultural iorubá, os atabaques, os múltiplos altares sincréticos, ritmos e muitas cores, os ternos, a tradição e o auto de fé. A música que embalava senzalas e mocambos, coloca a Casa-Grande e os sobrados para bailarem, folguedo marcado, salve, salve o rei do Congo, sua ancestralidade e sua descendência, Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia, São Benedito, Congada!
Pesquisas apontam que a partir do século XVII em Pernambuco, os escravizados africanos vítimas do senhorio cristão europeu, foram trazidos pelos portugueses para o Brasil, em navios asfixiantes e em condições brutais. A diáspora africana, sob o tinir dos grilhões, desembarcaram pelo mundo e, com eles, além da dor do exílio, a saudade da terra mãe. Sua garra e suas raízes, foram armas de luta e resistência. A identidade que os açoites e a senzala, que o racismo e a intolerância, não conseguiram silenciar ou apagar.
Pelas mãos e pés de guerreiros que por sua pele negra, resistência de ébanos africanos e afro-brasileiros, historicamente ignorados, inferiorizados e marginalizados, justificada pela pseudociência da Eugenia, alicerçada na intolerância e no darwinismo social.
É inegável o quanto somos um país miscigenado — indígena americano, branco europeu, negro africano —, ainda que sob as dores da violência sexual, do estupro, sofrida por inúmeras mulheres. Diversidade cultural, étnica e religiosa riquíssima, fruto do hibridismo e do ecletismo cultural-religioso, que nos legou não só um povo multirracial, como também, o cristianismo e suas convicções, a grandeza das religiões de matriz africanas e suas tradições milenares, bem como as tradições dos povos originários e suas lutas. De Xangô deus da justiça, do fogo, tanto quanto Tupã para os Tupis-guaranis e seus Xamãs. O mesmo Atlântico que banha a Baía de Todos os Santos, banha a África e seus orixás.
Em outubro é realizada a festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário em Catalão em simbiose com as Congadas. A beleza e a grandeza da resistência e da tradição, com seus elementos de fé e devoção, o catolicismo popular, as raízes africanas, as religiões afro-brasileiras, que permeiam nossa identidade cultural e os alicerces deste país. Conhecida como Congada, congado ou congo, realizada em algumas partes do Brasil, nos meses de maio e outubro, consiste numa celebração, expressão de agradecimento do povo congolês aos seus governantes, inspirada no Cortejo aos Reis Congos. O mês de maio efeméride a “Abolição da escravidão” e em outubro, louvor à Nossa Senhora do Rosário, instituída pela Igreja Católica, como santa protetora dos escravizados no Brasil.
As festividades na cidade acontecem desde 1876, revelando uma tradição de encher os olhos, um mergulho cultural e histórico, da luta, da resistência contra a opressão, a intolerância religiosa e o racismo. Um espetáculo a céu aberto, um grande e colorido folguedo popular e que indistintamente, abarca e abraça todos os credos, etnias e níveis sociais. Demonstração pública e inequívoca do quanto às diferenças, podem ser agregadoras e nos tornam tão iguais!
Os ternos coloridos e festivos, congadeiros e devotos de todas as idades, animam por onde passam o cortejo, com uma dança performática, sob o ritmo da zabumba, cantorias, alegria e fé. Há uma hierarquia, onde se destaca o rei, a rainha, os generais, capitães, etc. A festa popular e a religiosidade presentes na tradição, além das raízes do Congo, também de Angola, Moçambique e outras regiões da África, fazendo dos festejos, um espaço de voz e resistência do povo preto.
Portanto, deixo aqui, dois convites. Um, para visitar Catalão e suas históricas Congadas. O outro, uma reflexão. O quanto muito nos enriquece, esta convivência com tamanha diversidade étnica, religiosa e cultural. Que nos coloca frente a frente, com questões desafiadoras, pautadas pela informação, pela consciência, pelo respeito, pela tolerância, a necessidade urgente de ações antirracistas e o combate à violência contra o povo preto. Princípios elementares, básicos, grandiosos e determinantes para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária, equânime etc.
Querendo ou não, todos nós temos sangue negro! Alguns, nas mãos. A mesma que segurou o chicote e hoje, ostenta o racismo, a intolerância e fomenta o trabalho análogo à escravidão.
Axé!
Texto: Marcos Manoel Ferreira
Marcos Manoel Ferreira, Professor, Pedagogo, Historiador e Escritor. Doutorando pela UFG (Aluno Especial) em Performances Culturais; Mestre em História – Cultura, Religião e Sociedade; Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana; Especializando em Relações Internacionais; Pedagogo com Habilitação em História da Educação Brasileira e Historiador. professormarcosmanoelhist@gmail.com