Memórias de um Peregrino – UMA PODEROSA FORÇA
Meus pés não ofereciam condições de prosseguir. Decidi, então, pernoitar ali mesmo em Villar de Mazarife, onde cheguei por volta das 14h, após uns 20 km de caminhada. O albergue era muitíssimo austero, dispondo de algumas poucas camas. Os colchões estavam sendo colocados diretamente sobre o piso.
Naquela hospedaria, logo em seguida, chegou um casal de espanhóis de Sevilla. Ela era uma linda morena de estatura mediana, corpo bem feito e olhos verdes. Tinha uns 25 anos e os cabelos negros, que chegaram perto da cintura. Havia ralado um joelho em uma queda, motivo que os prendeu ali. Mais tarde chegaram Joan Bueno e mais umas 6 pessoas, todas conhecidas.
Enquanto comia um “bocadillo” em um bar, conheci Márcia, uma brasileira, de Curitiba, com uns 22 anos. Estava acompanhada de uma amiga brasileira, também curitibana, e de uma espanhola, cujos nomes não registrei. Ao saber do meu problema nos pés, ela ensinou-me a colocar bastante algodão sob o curativo, preso por esparadrapo, para amortecer o impacto e aliviar as dores. Elas se alimentaram e seguiram adiante.
À tarde, depois do banho, a hospitaleira, dizendo-se auxiliar de enfermagem, dispôs-se a tratar dos meus pés. Com relação ao pé esquerdo, disse não necessitar de intervenção, mas a situação do pé direito era grave. A ferida não havia melhorado e, ao tentar retirar o adesivo, ela desistiu. Sugeriu-me procurar um médico, profissional não disponível na cidade.
Logo após, sentei-me na varanda existente nos fundos do albergue, para ler um velho jornal encontrado na recepção. Estava um pouco encoberto por umas folhagens existentes entre a varanda e as portas das duchas. Enquanto lia, percebi a bela sevilhana entrar no banheiro. Talvez se julgando só, deixou a porta entreaberta.
Preocupada em não molhar o joelho, tomou um banho de balde, recompondo lentamente a água no chuveiro. Imóvel, como um “voyeur” involuntário, só, eu assistia bela cena. Em seguida, lavou os cabelos na pia, enxugou-se tranquilamente, vestiu-se e, ao sair, pareceu um pouco surpresa quando me viu ali, boquiaberto, provavelmente.
Inquieto, mesmo mancando, achei melhor dar uma volta pela pequena cidade, onde conheci um pequeno museu, de propriedade de um pintor.
À noite, depois de tomar uma saborosa sopa, preparada por Joan Bueno, todos os peregrinos lá hospedados reuniram-se na varanda, numa excelente conversa, que se estendeu até mais tarde que o habitual. Falei bastante com o acompanhante da morena, muito curioso sobre o Brasil. Ela se limitou a fazer algumas perguntas sobre o ferimento nos meus pés.
O interesse sexual acompanha os fluxos de expansão e introspecção que se verifica durante a caminhada, em todos os aspectos. Às vezes, parecia até habituado a cenas similares àquela presenciada naquela tarde, comum para muitos europeus. Em outras, nem tanto…
Deitado, enquanto aguardava o sono, refletia sobre a importância da satisfação sexual para o equilíbrio do homem e as complexas situações que o instinto de preservação da espécie nos cria ao se manifestar. Pensava sobre a idealização física — tão primária, mas tão dominante — e na nossa fragilidade diante da ânsia da vida, mais forte do que as formalidades sociais.
Uma força extremamente poderosa, que nos guia ou persegue pelo caminho.
Villar de Mazarife
FONTE: Extrato do livro Memórias de um Peregrino, de Paulo Hummel Jr
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