Leônidas Oliveira lança livro que evidencia o legado da arquitetura mineira no país
“Arte, Cultura e Fé” , que será lançado no dia 16 de outubro, também propõe um debate urgente em tempos de valorização do patrimônio cultural
Além de arquiteto e urbanista, Leônidas Oliveira é especialista em história da arte
O arquiteto Leônidas de Oliveira é um inquieto. Essa inquietude está levando o Estado a galgar números surpreendentes na cultura e no turismo. Gestor das duas pastas desde maio de 2020, Oliveira gosta de ver resultados, provocar reflexões, empolgar os colaboradores. Também considera olhar para o passado uma forma de entender o presente e se preparar para o futuro. E é isso exatamente o que ele faz no livro “Arte, Cultura e Fé”, que será lançado no dia 16h de outubro pela Editora C/Arte. Na publicação, o foco é o legado deixado pela arquitetura mineira no país a partir da análise de movimentos como barroco e modernismo..
O livro é também um mergulho na evolução da arte e da arquitetura barroca, traçando suas origens até sua expressão no Brasil Colônia. O texto não deixa de ter um estilo acadêmico, rigoroso, mas se mantém acessível a outros públicos. Na publicação, arte e arquitetura são analisadas através de seus templos, como as igrejas da Ordem Terceira de São Francisco de Assis (foto abaixo, crédito: Pedro Vilela / Divulgação), projetada por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e de Nossa Senhora do Carmo, construída pela Ordem Terceira do Carmo, ambas em Ouro Preto.
Oliveira ainda faz uma análise detalhada da arquitetura religiosa barroca, examinando minuciosamente a evolução das plantas dessas igrejas, fachadas e elementos decorativos, desde os modelos portugueses até as inovadoras adaptações brasileiras. Analisa ainda elementos arquitetônicos específicos, como o uso de escadarias, jardins e a integração dos templos com o espaço urbano e sua relação mais que litúrgicas, nas nossas terras, multiculturais.
Também avança no tempo e analisa o modernismo, a multiculturalidade na arquitetura contemporânea e o papel de Brasília como um ícone de modernidade. “O livro responde ao desejo de ampliar a compreensão sobre como as diferentes culturas influenciam a arte e a arquitetura, um debate urgente em tempos de valorização do patrimônio cultural”, resume.
Oliveira ainda cria um curioso elo entre barroco e modernidade. Ele defende que as culturas forjaram a fé e foram criadas por elas e plasmadas nas artes do que ele chama de “artes da fé”, destacando como a descoberta do ouro e a participação da sociedade civil e seus grupos étnicos levaram a uma expressão artística livre e inovadora na região e que influenciou a arte moderna de Brasília (foto acima, Cynthia Castro/Divulgação) como extrato da brasilidade.
A obra ainda aborda temas filosóficos amplos, como a dualidade entre o classicismo renascentista e o teocentrismo medieval e explora como essas tensões se manifestaram na arte e arquitetura da época. Como arquiteto não fecha os olhos a movimentos como Contrarreforma e às congregações como a Companhia de Jesus. A publicação é ricamente ilustrada, com descrições detalhadas de importantes edificações barrocas, modernas e contemporâneas.
Além de arquiteto e urbanista, Leônidas Oliveira é especialista em história da arte e mestre em restauração do patrimônio arquitetônico e urbano na Universidade de Alcalá de Henares e PhD em teoria da arquitetura pela Universidade de Valladolid, ambas na Espanha. Atualmente, ele ocupa o cargo de secretário de Estado de Cultura e Turismo e leciona na PUCMinas.
O livro tem uma linha histórica ou é uma reflexão sobre a arquitetura? O livro “Arte, Cultura e Fé” mistura tanto uma linha histórica quanto uma reflexão sobre a arquitetura. Ele segue a evolução da arte e arquitetura sacra desde o barroco, iniciado no Concílio de Trento, até as expressões contemporâneas, refletindo sobre como os conceitos de fé e espiritualidade moldaram diferentes estilos arquitetônicos e artísticos. Ao mesmo tempo, oferece reflexões sobre a influência cultural no desenvolvimento da arte sacra, indo além de uma simples cronologia.
Por que escrever esse livro agora? O momento atual reflete uma necessidade de repensar o legado artístico e arquitetônico em um contexto de modernidade e diversidade cultural. Escrever esse livro agora é uma oportunidade de revisitar a relevância de expressões artísticas tradicionais como o barroco, enquanto também analisamos o impacto das influências multiculturais no Brasil contemporâneo, especialmente em cidades como Brasília.
- “O livro responde ao desejo de ampliar a compreensão sobre como as diferentes culturas influenciam a arte e a arquitetura, um debate urgente em tempos de valorização do patrimônio cultural”.
Quais os principais assuntos que você trata no livro? No livro, são abordados temas como a evolução da arquitetura barroca, o modernismo, a multiculturalidade na arquitetura contemporânea e o papel de Brasília como um ícone de modernidade. Também discuto o impacto das culturas locais na arte sacra, desafiando a ideia de que a liturgia ou dogmas religiosos sejam os principais influenciadores do desenvolvimento da arte sacra. Além disso, a obra reflete sobre o papel da arquitetura na formação da identidade cultural brasileira.
Como você situa barroco, art déco, protomodernismo e modernismo na história da arquitetura em Minas? Minas Gerais tem uma posição privilegiada na história da arquitetura brasileira, com manifestações como o barroco mineiro, que foi essencial para o desenvolvimento da cultura arquitetônica do Estado. Situo o barroco, art déco, protomodernismo e modernismo em uma linha de evolução contínua, onde cada estilo reflete as influências sociais, culturais e políticas de seu tempo.
- “No livro, destaco ainda o papel do barroco mineiro como um símbolo de identidade, que evoluiu ao longo dos séculos até influenciar diretamente movimentos posteriores, como o modernismo”.
O que difere o barroco de Minas do de Paraty e Olinda por exemplo. O barroco de Minas se diferencia de lugares como Paraty e Olinda por sua singularidade no uso dos materiais locais, sua riqueza de detalhes e a influência mais direta das ordens religiosas no processo de construção e ornamentação. Minas Gerais, isolada geograficamente na época, desenvolveu um estilo próprio que combinava elementos europeus com as tradições locais, resultando em uma arquitetura de forte identidade regional.
No Brasil Colônia, eram as associações e congregações, como a Ordem do Carmo e de São Francisco, que construíam e reformavam os templos. Por sinal, a construção dos templos mais suntuosos tem início com a ascensão econômica dessas irmandades e ordens na segunda metade do século. Até que ponto os franciscanos, carmelitas, beneditinos e capuchinhos foram decisivos na arquitetura mineira? Em Minas a maioira das igrejas barrocas não foram feitas por congregações como em outros lugares. O processo de banimento das congregações começou em 1759, quando o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, expulsou a Companhia de Jesus de todos os domínios portugueses. A motivação principal envolvia o crescente poder e influência das ordens religiosas, que acumulavam terras, riquezas e prestígio, o que ameaçava o controle da coroa portuguesa sobre o território colonial.
- “O vácuo deixado pelas congregações tradicionais abriu espaço para que as ordens terceiras leigas — formadas por leigos, ou seja, pessoas que não pertenciam ao clero formal, mas que seguiam as regras espirituais das ordens — emergissem como as principais responsáveis pela construção e manutenção das igrejas barrocas em Minas Gerais”.
Como a arquiteta contribuiu — e ainda contribui — para a formação de nossa cultura e de nossas cidades? A arquitetura contribuiu e continua contribuindo para a formação da cultura e das cidades por meio da criação de espaços que são, ao mesmo tempo, funcionais e símbolos culturais. A arquitetura mineira, em particular, sempre teve um papel crucial na formação da identidade das cidades e da sociedade, desde as construções religiosas do período colonial até os edifícios modernistas que ajudam a definir o espaço urbano contemporâneo.
A primeira escola de arquitetura foi criada em Minas, nos anos 30. O que isso influenciou os rumos de nossa arquitetura? A criação da primeira escola de arquitetura em Minas Gerais, nos anos 1930, foi fundamental para estabelecer uma base sólida de ensino e desenvolvimento de novos talentos no Estado. Isso influenciou diretamente os rumos da arquitetura em Minas, promovendo uma estética que, ao mesmo tempo, respeita o passado barroco e explora novas formas modernistas e contemporâneas.
Quais características marcam a arquitetura de hoje e o que se pode esperar no futuro? A arquitetura contemporânea é marcada por uma preocupação crescente com a sustentabilidade e a integração entre o espaço urbano e o meio ambiente.
- “No futuro, podemos esperar uma arquitetura que seja cada vez mais integrada com o entorno natural e que continue a refletir as múltiplas influências culturais que moldam o Brasil”.
No Sul do país, italianos e alemães influenciaram nitidamente a arquitetura. Quais as culturas e povos que influenciaram na arquitetura mineira? Minas Gerais foi influenciada por várias culturas, com destaque para os portugueses, que trouxeram a arquitetura barroca, e as influências africanas, que ajudaram a moldar aspectos culturais e arquitetônicos, especialmente no interior. Essas influências são visíveis nas cidades históricas, nos detalhes ornamentais e nas soluções arquitetônicas que se adaptaram ao contexto mineiro.
A relação entre arquitetura e turismo tem contribuído de alguma forma para promover ou repensar os destinos? A relação entre arquitetura e turismo tem se mostrado vital na promoção de destinos, especialmente em Minas Gerais, onde o patrimônio histórico e arquitetônico atrai milhões de visitantes todos os anos.
- “A preservação de edifícios históricos e a criação de novos espaços culturais e turísticos têm ajudado a revitalizar áreas urbanas e a promover a economia criativa no Estado”.
Que momento Minas está passando na arquitetura? Minas Gerais vive um momento de transformação na arquitetura, em que a busca por inovação e a preservação do patrimônio histórico caminham lado a lado. O Estado se destaca pelo diálogo entre o passado e o futuro, equilibrando o respeito pelas tradições arquitetônicas com a exploração de novas tendências e tecnologias. No entanto, há uma certa padronização das formas, o que chamo de purismo tardio, visto que as formas puras foram a base para a arquitetura moderna.
- “Falta uma maior integração com a paisagem, o entorno e a terra, elementos essenciais para que a arquitetura contemporânea consiga dialogar mais profundamente com o ambiente natural e as identidades locais. O desafio atual é superar essa rigidez formal e trazer uma conexão mais orgânica com os espaços naturais e urbanos ao redor”.
FONTE: https://www.otempo.com.br/