Impeachment em Catalão: Rivalidades e Alinhamentos ao Regime Militar

A história do impeachment de Ozark Vieira Leite em 1964 revela as tensões políticas de Catalão durante o regime militar. Rivalidades, alinhamentos ao autoritarismo e interesses econômicos marcaram um dos episódios mais complexos da cidade.

Escrito por: Sousa Filho, professor de Geografia, e Fernando Safatle, Economista

Em 1964, Catalão, no interior de Goiás, vivenciou um dos episódios mais marcantes e pouco documentado de sua história política: o impeachment do prefeito Ozark Vieira Leite. Acusado de irregularidades administrativas, Ozark foi afastado do cargo em um processo conduzido pela Câmara Municipal. O vice-prefeito, Paulo Hummel, assumiu o comando do município em 3 de julho daquele ano, completando o mandato até 1965.

Esse processo foi liderado pelo então presidente da Câmara Municipal, Aníbal Evangelista da Rocha, primo de Geraldo Evangelista da Rocha, político de destaque em Catalão e derrotado por Ozark nas eleições de 1960. A conexão familiar, aliada ao contexto político do golpe militar, levanta questionamentos sobre as verdadeiras motivações do afastamento, que parece ter sido influenciado por rivalidades políticas, interesses econômicos e alinhamento ao regime autoritário que se instalava no país.

Rivalidades Políticas e Conexões Familiares

As eleições de 1960 em Catalão foram intensas, refletindo a polarização política local. Ozark Vieira Leite venceu o pleito para prefeito, derrotando Geraldo Evangelista da Rocha. No entanto, o vice-prefeito eleito, Paulo Hummel, teve 30% a mais de votos que Ozark, em um sistema eleitoral que permitia votações separadas para prefeito e vice. Importante destacar que Ozark rompeu com Paulo Hummel logo após as eleições, antes mesmo da posse.

Após a cassação de Ozark, houve tentativas de remover também Paulo Hummel. No dia 3 de agosto de 1964, antes mesmo de sua posse, um destacamento militar de Ipameri prendeu Hummel em sua casa, levando-o para a sede dos Correios. Lá, sob a ameaça de um capitão armado, foi forçado a assinar uma carta de renúncia. Recusando-se, foi agredido com uma coronhada na boca, mas conseguiu assumir o mandato, mesmo com ferimentos graves.

Apesar das pressões, Hummel manteve-se firme no cargo e realizou uma gestão marcante, priorizando obras de infraestrutura, como o calçamento de importantes vias públicas. Seu governo foi reconhecido como um dos mais relevantes para o desenvolvimento futuro de Catalão, mesmo diante das limitações de recursos e das tensões políticas.

A cassação de Ozark também revelou divisões entre grupos locais. Sua vitória em 1960 representou uma derrota significativa para o grupo dos “empresários da carne”, liderado pelos irmãos Nilo e Haley Margon. Ozark contou com o apoio de João Neto, adversário político em pleitos anteriores. No entanto, o rompimento com Neto após as eleições fragilizou sua posição e facilitou o avanço do impeachment.

Catalão e o Regime Militar

O impeachment ocorreu dois meses após o golpe militar de 31 de março de 1964. Catalão, pela sua relevância econômica e estratégica, foi rapidamente integrada à nova lógica de poder autoritária.

Geraldo Evangelista da Rocha, primo de Aníbal Evangelista e adversário político de Ozark, alinhou-se ao regime militar, representando seus interesses na região. O apoio do grupo dos “empresários da carne” reforçou as pressões para a remoção de Ozark, que acabou afastado por um processo conduzido por figuras ligadas ao regime.

 

Há indícios de que o plano inicial incluía a cassação de ambos, prefeito e vice, para que Geraldo ou Aníbal assumisse o poder. Contudo, manobras políticas articuladas por João Neto garantiram que Paulo Hummel permanecesse no cargo, frustrando parte da estratégia.

A Primeira Eleição no Regime Militar

Em 1965, Leovil Evangelista da Fonseca venceu as eleições municipais, consolidando o domínio político do grupo alinhado ao regime militar. Leovil, junto com seu vice, Bento Rodrigues de Paula, contava com o apoio dos irmãos Nilo e Haley Margon.

O candidato derrotado, Arédio Teixeira, era apoiado por João Neto e forças contrárias à ditadura. Essa polarização política local se manteve nos anos seguintes, com o retorno de João Neto ao poder em 1970, agora com o apoio de parte dos “empresários da carne”, incluindo Haley Margon, que começava a se distanciar do regime. Enquanto isso, outros grupos, liderados pelos irmãos Ênio e Sílvio Pascoal, fortaleciam a relação com o governo militar.

História que Fica

O impeachment de Ozark Vieira Leite permanece como um episódio pouco explorado na história de Catalão. A ausência de registros oficiais na Câmara Municipal, prefeitura e Fundação Cultural sugere um apagamento intencional dessa memória.

Esse evento, no entanto, é emblemático por evidenciar como disputas locais foram moldadas pelas dinâmicas de um regime autoritário. Como destaca o historiador Peter Burke: “O historiador lembra a sociedade daquilo que ela quer esquecer.”

Resgatar a história do impeachment de Ozark é fundamental para compreender o impacto da ditadura militar em Catalão e como interesses políticos, econômicos e familiares moldaram o cenário local.

FOTO: Segundo Sylvio Netto Lorenzi do http://nossocatalao.blogspot.com.br/ “Em primeiro plano,Nilo Margon. O senhor calvo é o governador do estado, José Feliciano Ferreira; Deputado Federal Wagner Estelita Campos; prefeito de Catalão Ozark Leite; Antônio Aires”. http://nossocatalao.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html

FOTO: Paulo Hummel (1965).

FOTO: Haley Margon Vaz

FOTO: Nilo Margon

FOTO: Anibal Evangelista da Rocha