Elyseu da Cunha: Entre Sangue e Poder – A História do Jagunço que Assombrou Catalão

Em uma época em que a pólvora decidia o destino dos homens e a justiça era feita pela mira das carabinas, Catalão viveu dias de guerra. Conflitos políticos, emboscadas e duelos sangrentos marcaram o cenário da cidade, e no centro desse turbilhão estava um nome temido por todos: Elyseu da Cunha.

Homem de gatilho rápido e fama de impiedoso, Elyseu construiu sua reputação à base de violência. A primeira vez que seu nome foi marcado na história do município foi em 16 de janeiro de 1892, quando participou do Primeiro Fogo de Catalão, um confronto armado que aterrorizou a cidade. No entanto, o evento que selaria sua notoriedade aconteceu anos depois, em 30 de novembro de 1897, quando ele esteve entre os responsáveis pela morte do senador Antônio da Silva Paranhos.

O assassinato do senador não foi apenas um crime brutal – foi um ato que incendiou as tensões políticas da região. Com o sangue ainda fresco no chão, as ruas se tornaram palco do Segundo Fogo de Catalão, uma batalha que começou naquela mesma noite e se estendeu até a madrugada do dia 2 de dezembro. As balas cortavam a escuridão, o som dos disparos ecoava pelos becos, e a cidade se via refém da guerra particular entre facções inimigas.

Acusado de ser um dos assassinos, Elyseu fugiu antes que pudessem prendê-lo. Astuto, conhecedor dos caminhos escondidos, embrenhou-se pelas matas que margeavam o Rio Paranaíba, evitando seus perseguidores. Quando o cerco apertou, refugiou-se em sua chácara em Anhanguera, onde acreditava estar seguro. Mas sua fama não permitia descanso. O cabo Anastácio, chefe do destacamento policial, recebeu ordens claras: “Invadir, arrancar, trazer vivo ou morto.”

O que a tropa não esperava era a resistência feroz. Elyseu e sua companheira, Rita Ferro, estavam preparados. Quando os soldados tentaram invadir a propriedade, foram recebidos a tiros. O casal, unido no combate, colocou os homens da lei para correr. Sabendo que aquela batalha não ficaria sem resposta, Elyseu tomou uma decisão: fugir novamente. Levou consigo seu filho, Isaac da Cunha, desaparecendo do mapa.

Foram onze anos de silêncio. A poeira dos tiroteios baixou, a cidade seguiu seu curso, e o nome de Elyseu tornou-se um sussurro entre os mais velhos. Então, quando poucos esperavam, ele voltou. Mas não como um jagunço foragido. Aos 47 anos, com aliados poderosos e politicamente protegido, assumiu o cargo de intendente de Catalão. O homem que um dia foi caçado agora governava a cidade que aterrorizara.

Seu retorno, no entanto, não apagou os fantasmas do passado. Para garantir que Elyseu nunca mais fosse perturbado, Marcylio Ayres, filho do coronel José Marcylio Ayres, conseguiu reabrir seu julgamento pelo assassinato do senador Paranhos. Mas a justiça, naquele tempo, inclinava-se ao lado de quem tinha mais influência. Testemunhas haviam morrido, outras desapareceram, e nenhuma das intimadas compareceu ao tribunal. Sem provas, o júri concluiu que Elyseu nunca atirara contra ninguém. Livre das acusações, viu seus antigos inimigos partirem. Ricardo Paranhos mudou-se para Araguari, Alfredo Paranhos seguiu para Estrela do Sul. Assim, sem disparar mais um único tiro, Elyseu pôs fim à era dos Paranhos em Catalão.

Naqueles anos turbulentos, a cidade também viu nascer uma rivalidade ferrenha entre os partidos políticos. De um lado, os republicanos, chamados de papo roxo, por conta da coloração metálica das chapas de suas carabinas. Do outro, os democratas, conhecidos como papo amarelo, com armas de tom dourado. As disputas entre essas facções se desenrolavam tanto nos discursos quanto nos campos de batalha improvisados pelas ruas.

Mas o tempo cobra seu preço até dos mais ferozes. A figura imponente de Elyseu foi se desfazendo. Em 1912, já não era o jagunço temido, tampouco o político influente. Vagava pelas ruas, murmurando sozinho, brigando consigo mesmo, assombrado por fantasmas que só ele via. Sua mente, antes estratégica, agora era um labirinto de delírios. No dia 27 de agosto daquele ano, sua jornada chegou ao fim. Elyseu da Cunha foi encontrado morto, levando consigo para o túmulo os segredos de sua trajetória sangrenta.

Seu filho, Isaac da Cunha, herdou não apenas o nome, mas também o temperamento e a sede de poder. Sabia como mover-se na política e, assim como o pai, tinha o gatilho fácil. No entanto, o destino não lhe reservou uma vida longa. Em 29 de junho de 1917, durante a Festa de São Pedro, a história da família chegou ao seu desfecho mais trágico.

Isaac estava na celebração quando uma briga começou. No calor do momento, seu próprio tio, Amadeu da Cunha, avançou contra ele e, com um golpe certeiro, enfiou-lhe uma faca na barriga. O jovem tentou resistir, segurando as vísceras com as mãos, mas seu corpo não suportou. Enquanto a multidão olhava, horrorizada, Isaac tombou, sem vida.

O que se seguiu foi uma vingança imediata. Entre os espectadores estava Oswaldo da Cunha, primo de Isaac e sobrinho de Amadeu. Ainda atônito com a cena brutal, ele reagiu. Sacou o revólver e, sem hesitar, disparou contra o tio, encerrando ali, com um estampido seco, a linhagem que um dia dominara Catalão.

Assim terminava a era dos Cunha. Não pela força dos inimigos, não pelas mãos da lei, mas pelo próprio sangue derramado entre si. O ciclo de violência que começou com Elyseu encontrou seu fim dentro da própria família, no coração de uma festa religiosa. O destino, que tantas vezes favoreceu os Cunha, enfim os traiu.

 

E a cidade, antes aterrorizada por suas sombras, seguiu em frente.

 

FOTO: Cadeia onde ficou preso o capitão Carlos de Andrade pelo assassinato do senador Paranhos.

FOTO: Estação Ferroviária em 1908

Elyseu da Cunha também dirigiu o Jornal Gazeta de Catalão – Órgão político do partido democrático. Iniciou em 24 de junho de 1910. Durou até 1913.

 

 

Texto: Maysa Abrão

Fonte de Pesquisa: “Memorial do Catalão” – Antonio Miguel Jorge Chaud

“Herança de Sangue” – Ivan Sant’Anna