Da força das carabinas ao poder do voto
Fruto do isolamento em que se debateu Goiás até a primeira metade deste século, a violência foi uma marca registrada da politica do Estado durante todo esse período. Catalão, no entanto, devido ao caráter singularmente cruento de suas disputas politicas e um pouco também injustamente, como reclamam seus moradores mais antigos, tornou-se no folclore politico do Estado uma espécie de símbolo dessa violência que , a bem da verdade, não é uma exclusividade sua.
O escritor Cornélio Ramos, em seu livro Catalão de Ontem e de Hoje (ao qual recorremos no decorrer dessa matéria às vezes sem dar-lhe o merecido crédito das citações), lembra que a cidade “nasceu sob o signo da violência!… Clima aterrorizador que duraria mais de dois séculos”. Até a primeira metade do século vinte, período que ele retrata mais fartamente, perdurou no município, no melhor figurino do coronelismo brasileiro, uma política marcada por vendetas sangrentas, em que mandões se sucediam por longos anos no comando local, quase sempre sem assumir diretamente o poder formal, ocupado por prepostos cuja autonomia tinha tanta validade quanto a lisura das eleições que os sacramentavam.
Lembra Cornélio que “a violência influía de tal modo sobre o espirito das pessoas que o prestigio politico era avaliado de conformidade com a valentia de seus lideres , ou pela qualidade e quantidade de seus jagunços. Os partidos políticos eram denominados de acordo com o tipo de carabinas usadas pelos seus sequazes. Em Catalão, havia dois: Papo Roxo e Papo Amarelo… de conformidade com suas armas, que eram as legendárias carabinas com coronhas de jacarandá ou coronhas de ipê”.
Nesse caldo de cultura, a virada do século foi marcada por um batismo de sangue: o senador Antônio da Silva Paranhos, por ter feito o que era considerado um intolerável desafio, passar a pé em frente à casa do chefe politico rival, capitão Carlos Antônio de Andrade, segundo se conta, foi morto por Elizeu da Cunha e outros companheiros. Previsivelmente, houve uma sangrenta retaliação, em um tiroteio que durou três dias, uma perseguição e torturas com requintes de crueldade das quais não escapou o capitão Andrade.
Elizeu da Cunha, no entanto, conseguiu se safar, granjeou fama de valente ao vencer expedições que foram em seu encalço e por fim chegou ao poder local com o inicio da era dos Caiado na politica estadual, em 1909. Quem iria ditar o tom do novo clã, no entanto, seria seu filho Isaac da Cunha, que segundo Cornélio, “por ser mais hábil, com maior escolaridade e prestigio pessoal, tornou-se o chefe politico absoluto na cidade”. Verniz cultural este que não impediu que ele marcasse seu período por episódios de singular crueldade, como o que o escritor Joaquim Rosa chama de “a fritada histórica de cerca de 40 cavuqueiros da construção do ramal da estrada de Ferro de Goiás”, o também chamado massacre ferroviários.
A ele sucedeu Salomão de Paiva, cujo período de mando diz-se também ter sido marcado pela mesma rotina de atrocidades, sob os olhos complacantes do suserano Totó Caiado e cujo fim, como de praxe, foi violento, morto em uma emboscada em 1924. A esse acerto de contas, sucedeu-se o domínio da família Sampaio, liderada por Diógenes Sampaio, que assumiu o poder junto com a chamada Revolução de 30 e a subida ao poder estadual de Pedro Ludovico, e cujo domínio politico durou praticamente o mesmo que a nova ordem politica: dois anos depois do fim da ditadura Vargas, em 1947, seus adversários uniram-se para levar ao poder João Netto de Campos. Desta vez, no entanto, com uma diferença fundamental: foi uma reviravolta politica, que se deu pela força das urnas, com a eleição do ainda hoje popular Velho Guerreiro para prefeito municipal. E coincidentemente a partir daí a violência passaria ser mais um fator incidental que uma característica determinante na politica de Catalão. Novas reviravoltas politicas sucederam-se, mas sempre pela força do voto, novas lideranças surgiram e a alternância no poder e a convivência entre adversários tem se feito de uma forma às vezes hostil, mas no geral pacifica.
Entre essas lideranças, a que sem dúvida viria mais fortemente fazer frente à de João Netto de Campos, o qual preservou sua influencia mesmo durante os períodos de oposição, militando no MDB e no PMDB, foi a dos irmãos Silvio e Ênio Paschoal, hoje no PFL, integrantes do grupo que comandou a politica local desde a Revolução de 64 com um intervalo em que o próprio João Netto voltaria à Prefeitura, até que, em 1982 foi eleito para esse cargo, Haley Margon Vaz, pelo PMDB.
FOTO: Tenente-coronel e Senador Antonio da Silva Paranhos e sua esposa, Belisária da Costa Paranhos ( Wikipédia )
FOTO: João Netto de Campos
FOTO: Silvio Paschoal
FOTO: Ênio Paschoal
FOTO: Haley Margon Vaz
FONTE: Jornal A Voz do Sudeste – ANO I – Nº 18 – Organização José Candido – Catalão, 5 a 20 de agosto de 1986 – Página 7 – Edição Especial Catalão, 127 anos.
FOTO CAPA: Coleção João Margon – Grupo de partidários de Elizeu da Cunha, um dos caciques políticos do conturbado inicio do seculo XX.