Costuras Festivas Por Cairo Mohamad Ibrahim Katrib
A festa é uma grande costura,
que conserta a história(…)
A festa impregna a comunidade,
o seu ciclo marca o ritmo da vida,
aponta sempre novamente para o que se quer,
volta sempre a dizer que o esperado não é utópico.
Ele pode tornar lugar concreto como de fato toma.
A reunião das formas de existência,
dos níveis quebrados
trará harmonia,
vida *
A dinâmica da festa do Rosário em Catalão-GO tem nos seus espaços sagrados oficiais rituais diversos, ao mesmo tempo complementares à festa, cujas responsabilidades são bem demarcadas. As comemorações religiosas que ocorrem no Largo do Rosário e no seu entorno – lugar de referência do sagrado-, ora são comandados pela igreja católica ora pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
À igreja cabe a realização de missas, terços e procissões. À Irmandade cabe organizar o desfile dos ternos de congos, o levantamento do Mastro, a entrega da Coroa. Alguns eventos têm a participação comum como é o caso da alvorada e das procissões, quando o pároco ou representante legal participa da abertura e encerramento da festa excitando os fiéis à fé e devoção. É claro que nesses momentos não poderiam perder a oportunidade de se fazerem presentes também os políticos e as autoridades representantes da sociedade civil.
Esses rituais não podem ser compreendidos apenas como complementares, antes de tudo, expressam a contradição e os conflitos inerentes à postura que a igreja católica, na maioria das vezes, assume frente à religiosidade popular. Para o clero, é na igreja e nos rituais por ela coordenados que se adora a Virgem Santíssima, as outras atividades são folclóricas e apenas compõem o cenário festivo. A igreja funciona como marco oficial da festa tanto para as comemorações internas quanto para as que se efetivam fora desse espaço sob a batuta da irmandade.
Se entre os muitos cortejos existentes ou já extintos, considerados pela igreja católica como momentos de expressão de fé e devoção a Virgem Santíssima, comandadas pela presença oficial de um padre, em especial, o levantamento do Mastro expressa a junção do sagrado e do profano numa mesma celebração, não passa despercebido aos olhos da igreja, que não consegue manter o controle desse ritual e nem mesmo a população que participa da festa consegue discernir onde começa e onde termina esses espaços.
A igreja, dentro dos limites oficiais da Festa, marca sua presença na figura do pároco, seu representante oficial nas missas oficiais e procissões que antecedem as missas campais realizadas no interior da igreja ou fora dela, dependendo da quantidade de pessoas esperadas para as celebrações do dia. É durante essas celebrações que a Igreja procura escamotear a evidência dos rituais da religiosidade negra, especialmente a participação de alguns ternos durante as celebrações diversas e, mais em especial, aquelas consideradas dentro da liturgia católica.
A presença do pároco é visível na alvorada – momento que marca o início da festa oficial e nas missas campais, pois são nesses momentos que ele, oficialmente, exerce a função religiosa de pregação e celebração eucarística. Esporadicamente, é possível notar a presença dos religiosos em alguns ensaios, nos almoços dos ternos de congos. Na visão da igreja a presença de um pároco, padre ou representante oficial da igreja católica, torna estes momentos diferenciados dos demais, quando algumas atenções são tomadas justamente pela presença oficial do religioso. Esta figura impõe respeito e, muitas vezes, interfere no cotidiano da irmandade moralizando a alegria contagiante que antecede a festa. Vejamos como alguns desses espaços ou momentos festivo-devocionais se configuram.
A ALVORADA:DIA OFICIAL DA FESTA
FOTO: Oração feita pelo Vilão II Nossa Senhora de Fátima, na madrugada da Alvorada, antes do batalhão sair em silencio pela cidade até o Largo do Rosário.
É um ritual festivo e religioso que marca o início das comemorações oficiais em louvor a Nossa Senhora do Rosário. Acontece sempre numa sexta-feira, geralmente, dez dias antes do dia 12 de outubro, data oficializada tradicionalmente na cidade para se comemorar Nossa Senhora do Rosário, incorporando também as comemorações a Padroeira do Brasil – Nossa Senhora Aparecida.
Na madrugada da alvorada as pessoas se reúnem em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário para, às três horas da manhã, ouvir os badalos do sino da igreja anunciar que é chegada a hora de dar início as comemorações oficiais. O badalo do sino se mistura às músicas vindas dos bares que se mantêm abertos na madrugada, pois muitas pessoas passam a noite no Largo do Rosário esperando a alvorada e assistindo a movimentação do local, ocupado, até então, por um insignificante número de barracas de comércio, já que a maioria delas se instalam após o quinto dia do início oficial da festa, vindas de outras festas de santo de cidades vizinhas e outros estados. A alvorada é, neste dia, o principal acontecimento religioso e festivo, unindo o sagrado ao profano.
Dessa junção entre festividade e religiosidade, todos esperam o início da festa que se dá mediante a benção do padre local, da fala do/da Presidente da irmandade e das palavras do General da Congada que abre a festa com três apitos, seguidos por foguetório e batida das caixas dos ternos de congos. Quando dos três apitos, o General da Congada convida os dançadores de congo, que ali se encontram também reunidos, juntamente aos devotos e curiosos, para festejarem, a partir daquele instante, a Virgem do Rosário, como se esta fosse a razão exclusiva de dançadores, festeiros, políticos, entre tantos outros, de estarem ali reunidos. Esse ritual se repete a várias décadas numa mesma área, e a cada ano tem aglomerado um número cada vez maior de pessoas.
Os ternos de congos, espalhados por toda a cidade, reunidos na casa de cada capitão, ajustando instrumentos, esperam o início oficial das comemorações fazendo suas orações e rituais de proteção, e após a abertura da festa pelo General, saem cantando e tocando pelas ruas da cidade, acordando os moradores e avisando que a festa começou. Muitos dançadores costumam antes da saída da sede do terno, realizar alguns rituais de proteção discretamente como forma de “fechar o corpo” ou o terno contra mal olhado, inveja e pensamentos negativos.
Hoje esse ritual persiste como forma de proteção ao terno para que faça uma boa apresentação durante a festa e para que todos os membros dancem com o coração e a devoção maior a Virgem do Rosário. Apesar do culto ser de apenas os da devoção católica, fica evidente os rituais utilizados no Candomblé e na Umbanda. Formas de proteção são preparadas por cada terno. Muitos servem aos dançadores um preparado de aguardente, folhas de guiné e arruda, antes de sair para as ruas da cidade. A igreja também abençoa os dançadores com água benta aspergida na população de congadeiros que participam da alvorada. Após as bênçãos do padre, dando um sentido religioso a alvorada.
Os três apitos mencionados anteriormente direcionam os dançadores presentes no Largo para saírem pelas ruas da cidade, ao som de foguetes e vivas, avisando que a festa teve início. Cada terno passa a porta da Igreja do Rosário, dançando e cantando antes de irem, conforme o combinado, transitar pelas ruas da cidade. Enquanto isso, os presentes no Largo esperam a volta dos ternos para o tradicional café da manhã oferecido pelos festeiros e comissão, aos dançadores e demais presentes.
Após o cortejo por algumas ruas da cidade, os ternos de congos, seguidos de várias pessoas, se direcionam para o Centro do Folclore e do Trabalhador – local onde é servido o café da manhã aos presentes. Nesse dia, não fugindo a tradição, atenção especial é dada, pelos festeiros, aos membros da Família Real. Uma mesa é posta para o Reinado em separado aos demais, que são servidos em fila, quando escolhem os biscoitos, sucos, leite ou café para se acomodarem pelo salão, ao contrário do Reinado que tem a sua frente uma enorme mesa com variedades de biscoitos, salgados, doces, sucos, bolos confeitados, tortas e outras guloseimas.
À medida que cada terno adentra ao espaço para tomar o café, costumam cantar em homenagem aos festeiros, sua comissão e também à Família Real, ali presentes. Todas as cantorias são improvisadas de acordo com o momento e sentimento de cada capitão, responsável pelos ternos. As músicas são cantadas pelo capitão e repetidas pelos dançadores, sempre em pequenas estrofes criadas de improviso ou adaptadas de músicas sertanejas conhecidas.
Após todos os ternos e presentes tomarem o café, estes se dirigem para suas casas cantando e tocando seus instrumentos que, após aquele momento, são guardados esperando o último sábado de festa para, novamente, saírem às ruas. Outras pessoas se dirigem à igreja onde às seis horas da manhã pontualmente é rezado o primeiro terço da festa, momento este que se repetirá até o último dia dos festejos em louvor a Nossa Senhora do Rosário.
O TERÇO, AS MISSAS E AS PROCISSÕES
Do primeiro ao último dia da festa oficial acontece, diariamente, a parte festiva da festa em louvor a Nossa senhora do Rosário de Catalão-GO, marcadas por novena, por rezas, orações, procissões e missas. Acrescentam-se a esse momento festivo as visitações as barracas de comércio instaladas nas ruas ao redor do Largo onde a festa se realiza. A novena, como o próprio nome diz, segue os nove dias de festa, podendo ser caracterizada como o conjunto de celebrações realizadas no interior da igreja ou no espaço externo, com ou sem a presença de um líder eclesiástico.
Geralmente, essas celebrações acontecem durante todos os dias de festa, sempre às 6 horas da manhã; às 15 horas e às 18 horas. Essa novena é realizada pelos grupos de orações das comunidades católicas locais que, junto à população que participa, rezam o terço e fazem suas orações a Nossa Senhora e ao Santíssimo Rosário, participando também das missas rezadas diariamente na Igreja. Enquanto isso, algumas missas campais são realizadas durante a novena, no Largo em frente à Igreja, ou dentro dela, sempre celebradas pelos padres da paróquia local e acompanhadas pelos fiéis, geralmente pessoas da comunidade acostumadas a participarem das missas.
Entre essas missas consideradas tradicionais temos a do sábado do Levantamento do Mastro e as do domingo que são as missas das Congadas e a Oficial. Essas celebrações levam um número significativo de pessoas a praça onde acontece a festa. Nesses dias torna-se impossível transitar pelo Largo, que fica repleto de fiéis à espera das celebrações do dia. As pessoas começam a se aglomerar no local, horas antes das celebrações procurando os melhores locais para receberem a pregação do padre e também fazer suas orações; enquanto a missa não acontece, vários fiéis transitam pelo interior da igreja rezando em frente à imagem de Nossa Senhora do Rosário, acendendo velas, fazendo seus pedidos solitários ajoelhando-se e direcionando olhares de piedade a Nossa Senhora do Rosário. É possível sentir naquele ambiente, que nem mesmo o barulho vindo de fora, e as vozes dos mendigos espalhados à porta da igreja implorando uma esmola e crianças chorando com toda aquela movimentação, não interferem naquele momento de introspecção existente naquele espaço que aproxima os sujeitos de Deus, da mesma forma que do lado de fora o divertimento, o lazer, os encontros e desencontros dos sujeitos possibilitam a celebração da diversão e do entretenimento.
LEVANTAMENTO DO MASTRO
No último sábado festivo, acontece o Levantamento do Mastro. É um acontecimento tradicional que, por mais de 50 anos, teve como responsável o senhor Jorge Primo (Jorge Primo foi um dos mais queridos festeiros, realizando a festa por vários anos e suas festas eram consideradas pela população em geral, as mais animadas, organizadas e lucrativas. Descendente de árabes, comerciante de personalidade marcante pela franqueza, tendo sido vereador na cidade, sempre se preocupou com a perpetuação e manutenção da festa, por isso assumia, juntamente com a família, vários dos rituais da festa, entre eles foi por várias décadas, responsável pela guarda da Bandeira e cortejo do levantamento do Mastro).
FOTO: Helda Persicano Primo
Após o falecimento do senhor Jorge Primo a família, até o ano de 2001, manteve a tradição de guiar a bandeira a ser fixada no mastro da sua residência até a Igreja do Rosário para ser erguido. Esse cortejo saia sempre desse local, carregado por dois membros da família, geralmente marido e mulher, pelas ruas da cidade até chegar ao Largo para ser erguido ao som de vivas e fogos de artifícios. Durante esse cortejo todos os ternos de congos se reuniam a porta da casa do Mordomo(Mordomo é o nome dado ao responsável pela guarda da bandeira durante o cortejo do levantamento do mastro. A escolha é feita pela Irmandade e o cargo é perpétuo, podendo passar de pai para filho ou ser transferido, mediante consentimento da família que detém a posse dessa função para uma outra, desde que sob o consentimento da Irmandade e demais membros da família do responsável pela guarda da bandeira), onde se encontrava armado um altar, com a imagem da santa estampada na bandeira, velas eram acesas e as pessoas se ajoelhavam para rezar a Nossa Senhora do Rosário. Em seguida, os fiéis recebiam lamparinas feitas de cartolina e papéis coloridos, nas quais são introduzidas velas que, acesas dão um colorido especial ao momento.
FOTO: Jorge Elias Primo e João Antônio de Persicano
Durante o trajeto as pessoas mais devotas montam na porta de suas casas altares com a imagem da Santa e, a medida em que os fiéis passam, param para fazer sinal da cruz, ajoelhar-se e, até rezar à Santa de sua devoção.Nesse cortejo, é dispensada a presença de uma autoridade católica, pois a mesma espera a chegada da bandeira no Largo quando após ser introduzida ao mastro, erguido pelos dançadores, é celebrada uma missa campal. Assim, o cortejo é iniciado pelos ternos de congo, que cantam e dançam, ainda sem as tradicionais fardas, e, ao final, protegidos pelos ternos de Moçambiques, encaminham a bandeira, que é trazida pelas mãos do Mordomo e sua família até ser colocada na ponta do mastro para, em seguida, ser erguido.
Em 2002, com a ausência de um Mordomo do Mastro, mesmo sendo essa uma função perpétua, ocorre a desistência da família Primo em dar prosseguimento ao ritual e a responsabilidade de condução desse cortejo passou a ser da irmandade do Rosário que no ano seguinte é transmitido à família Duarte que teve interesse em assumir essa função, haja vista a sua participação efetiva na irmandade e a devoção declarada a Santa protetora sendo sua responsabilidade até os dias atuais.
OS “PAGAMENTOS” DAS PROMESSAS
A maioria dos devotos preferem participar das celebrações dos últimos três dias de Festa que apresentam como ápice: as missas campais do levantamento do mastro, da missa das congadas, realizada domingo pela manhã e da missa campal do domingo à noite, momento em que grande quantidade de devotos e pagadores de promessa se reúnem na praça para acompanhar o andor com a imagem da Santa pelas ruas do centro da cidade, cujo trajeto sai da Igreja do Rosário retornando a ela em um circulo que representa o formato de um rosário.
É nesse trajeto que presenciamos pessoas acompanhando a procissão descalças, carregando fotos de pessoas enfermas que não puderam comparecer fisicamente àquele momento, mas estão ali representadas pela fotografia ou algum objeto que simbolize a graça desejada ou alcançada como réplicas de casas, ferramentas de trabalho ou crianças vestidas de branco ou de anjo como forma de pagamento de uma graça alcançada.
Vestir-se de anjo ou de congo simboliza a vida para muitas das crianças em diferentes idades, pois a maioria das pessoas que pagam pelas bênçãos recebidas vestindo suas crianças de anjos tiveram dificuldades de gestação ou alguma enfermidade .
Não são somente pedidos relacionados à cura de enfermidades ou outros males são direcionados a Santa do Rosário. É possível presenciar pessoas fazendo pedidos por emprego, para aquisição da casa própria, desavenças familiares, entre outras turbulências sentimentais. Muitas agradecem acompanhando as procissões levando nas mães réplicas das bênçãos alcançadas ou que por ventura desejam realizar como réplicas de casas, ferramentas de trabalho e até a própria carteira profissional.
As expressões de fé e religiosidade contidas no espaço sagrado da festa que compreende os rituais de adoração a Virgem do Rosário e outras solenidades litúrgicas servem aos fiéis como momento de expressão das graças recebidas. E mesmo que a igreja não demonstre aceitá-las, acaba não intervindo e essas manifestações são incorporadas ao contexto das missas e procissões. Sem contar também que as formas de ‘pagamento de promessas’ não se restringem aos espaços oficialmente tidos como sagrados. Nos depoimentos de Shirley Gomes de Oliveira e Maria da Luz, entre outros, fica nítido que pagam suas promessas nas solenidades oficiais, mas também reforçam sua fé quando levam seus filhos menores a participarem de um terno de congo, quando elas os acompanham durante os três últimos dias de festa por todos os rituais festivos considerados sagrados.
Não podemos esquecer que as formas de pagamento pelas graças recebidas não se resumem em dançar em um terno de congo ou vestir-se de anjo, acompanhando a procissão. Nesse sentido, vale ainda oferecer lanches, almoços, ingredientes, trabalho físico, a própria residência, obras de arte, dinheiro, em troca de graças alcançadas. Todo esse fervilhar de atitudes concorrem para o brilhantismo da festa. A fé que move esses sujeitos tem a ver com a crença de que seus pedidos serão realizados e materializados como forma de amenizar os problemas do cotidiano no campo dos bens materiais, da saúde, ou simplesmente agradecendo por estar vivo.
A expressão da fé e da religiosidade dos sujeitos que veneram Nossa Senhora do Rosário é que dão uma conotação do sagrado aos momentos religiosos oficiais da Festa. As ruas da cidade transformam-se em espaços sagrados a medida em que os sujeitos incorporam-se àquele ritual. Para muitos fiéis a fé e a devoção podem ser expressas na porta de suas casas, de seus comércios, onde altares improvisados são armados esperando que o cortejo passe, ou então carregando o andor da Santa pelas ruas da cidade ou simplesmente acompanhando a procissão, mesmo que não consiga chegar ao Largo onde se realiza a missa campal, devido ao grande contingente de pessoas que ali se aglomeram. Assim, escutar as palavras do padre transmitidas pelo alto-falante e estar no meio a multidão de fiéis e curiosos já é uma grande satisfação para esses sujeitos.
ESPAÇOS FESTIVOS – AS CEIAS:
As ceias até o ano de 2015 era de responsabilidade da Comissão de Festa, clubes de serviços e outras entidades, alternadas durante os dias de comemoração a Nossa Senhora, conforme programação prévia divulgada nos cartazes da festa. Os clubes de serviços se revezam na realização e na venda de ingressos para os jantares oferecidos, intercalados às celebrações festivas e religiosas das comemorações em louvor a Nossa Senhora do Rosário. Este é o momento da comilança e da fartura. A população adquire acesso às ceias por meio da aquisição de ingressos que lhes garante o direito de saborear os cardápios mais variados, indo da culinária árabe, passando pela mineira e até as comidas goianas, que são oferecidas durante a festa.
Desde a década de 50 do século passado até o ano de 2015 era tradição local a realização da Ceia Síria, incorporada à festa, incentivadas pela comunidade árabe local devota da Virgem que, muitas vezes, assumiu a festa, inclusive como festeiros. Entre essas famílias podemos citar as do senhor Jorge Democh, Jorge Primo, Nicolau Abrão, Sofia Salomão, entre outros, que sempre participaram da Festa incentivando sua realização ao longo dos anos. Nas ceias sírias são servidas comidas típicas da culinária árabe, como mafufos, esfiras, quibes, carne de carneiro, arroz com lentilha, entre tantos pratos típicos. O acesso às ceias é através de ingressos. A ceia mais concorrida sempre foi a Síria, cuja renda sempre foi revertida para as despesas com a festa e o que sobra, após o pagamento das dívidas, serve para aquisição de bens para a Irmandade.
FOTO: Ceia Síria 2015
A comida é sempre servida com fartura e as pessoas não se importam de permanecerem nas filas para se servirem, mesmo que esta demore cerca de uma hora para ter acesso à comida. Nem por isso as pessoas desistiam de participar daquele momento, pois ali acontece uma grande confraternização, constituindo-se em um momento de sociabilidade.
Antes da construção do Centro do Folclore e do Trabalhador, as ceias eram realizadas no Ranchão, espaço construído provisoriamente para a Festa com armação de madeira, cobertos por folha de babaçu e laterais cercadas com telas. As pessoas que participavam das ceias, mesmo estando no interior do grande Rancho, não tinham privacidade para desfrutar daquele momento com mais descontração, pois do outro lado, separados apenas por uma tela de arame, os frequentadores externos da festa ficavam observando o que acontecia do lado de dentro do rancho. O Ranchão foi desativado com a construção do Centro do folclore e do Trabalhador por alguns anos e as ceias passaram a ser realizadas nesse espaço fechado, mas a pedido da população o grande rancho de palha volta a fazer parte dos espaços da festa no final da década de 90 do século passado e atualmente foi substituído por uma tenda.
O RANCHÃO:
Ao mesmo tempo em que as ceias eram realizadas até a primeira metade dos anos 2000 no Salão do Folclore, no “Ranchão” da festa, armado na rua, próximo a igreja, músicas ao vivo eram executadas por cantores locais ou por conjuntos contratados pelos festeiros que animavam as noites com um repertório musical variado do sertanejo ao popular. Leilões de pratos típicos propiciavam o divertimento das pessoas que ali se encontravam, resgatando, de certa forma, as tradições rurais das festas de roça da região.
Geralmente o Rancho de Festa era de responsabilidade dos festeiros e da comissão organizadora que se revezavam todas as noites nas atividades que ali acontecem, sempre ao som de músicas sertanejas alegrando os presentes que comiam e bebiam, podendo observar tudo que acontecia a seu redor. A entrada nesse recinto se dava mediante aluguel de mesa, ingresso individual ou em alguns dias de festa, a entrada era gratuita, dias em que se notava uma grande concentração de populares no local.
AS BARRACAS DE COMÉRCIO
É o espaço mais frequentado pela população. As visitações às barracas de comércio armadas nas ruas adjacentes ao Largo do Rosário, onde são comercializadas, comidas, doces, frutas, roupas, utensílios domésticos, jogos de azar, entre outros tipos de entretenimento, é um atrativo importante da festa e o que mais concentra pessoas que transitam de um lado a outro, pelas ruas do bairro, observando mercadorias, comprando, flertando e se divertindo no (re) encontro com amigos e conhecidos.
As barracas são armadas nas ruas, cujos espaços são conseguidos por meio da locação dos terrenos via prefeitura municipal que faz um loteamento das ruas adjacentes ao Largo do Rosário – local onde temos a Igreja do Rosário, que são alugados a preços diferenciados, de acordo com a localização. Os moradores das ruas onde a festa acontece também alugam suas portas ou montam comércios temporários, visando conseguirem um dinheiro extra com a festa.
A prefeitura também Lucra bastante com a festa. A arrecadação municipal aumenta a partir do mês de agosto, período em que a prefeitura começa alocar os espaços para os comerciantes temporários que desejarem comercializar seus produtos durante a festa. O valor de cada terreno oscila de acordo com sua localização.
Nas madrugadas o Largo do Rosário deixa de ser o ponto de convergência dos momentos devocionais e comerciais e se transforma no espaço de encontro e venda do corpo. Garotos e garotas de programa se misturam à multidão comercializando, através de olhares e acenos, a venda de seu trabalho que, muitas vezes passa despercebido aos olhares dos casais enamorados, dos pais de famílias que ali se encontram em busca de diversão com seus familiares.
Alguns direcionam seus olhares indignados aos namorados afoitos que se contorcem entre beijos e abraços nos bancos da praça ou em algum outro espaço, preferindo não notar a entrada por debaixo das lonas das barracas dos garotos e garotas de programas e nem tão pouco, notar a saída dos mesmos alguns minutos depois, com dinheiro ou alguma outra mercadoria, já que no comércio da festa, muitas vezes não se tem moeda padrão, esta é acordada entre contratado e fregueses.
Cada rua do bairro, durante os dias de festa, acaba se tornando, um grande “shopping” a céu aberto, como uma rede de lojas de departamento, espaços por onde as pessoas da cidade, moradores de cidades dos municípios vizinhos e zona rural transitam a procura de menores preços e das novidades. Durante a festa, as ruas do bairro deixam de ser conhecidas pelos seus nomes oficiais e recebem nomes semelhantes a dos produtos ali comercializados todos os anos. Como exemplo: rua dos paneleiros, das roupas, dos plásticos, das frutas, dos jogos, entre muitas.
O comércio do grande “Shopping” temporário a céu aberto, seduz crianças, jovens, adultos das diferentes classes sociais que se esbarram, acotovelam-se, passeiam e compram desde comidas, utensílios domésticos até roupas, calçados, bijuterias, enfeites diversos e até prazeres sexuais. Muitos fregueses são vistos nos pontos de ônibus ou nas ruas da cidade carregando imensas bacias plásticas, baldes, enfeites, tapetes, alumínios, sem contar também que a maioria não esquece de saborear as maçãs do amor, algodão doce, fatias de melancias, sorvetes, espetinhos, sanduíches, pastéis e outras guloseimas vendidas naquele local.
Festar Nossa Senhora do Rosário vai muito além do que ziguezaguear pelas ruas do largo; é também poder viver seus aromas, odores e sentidos mais diversos, compartilhando a festa que se foi, que se presentifica e as muitas que virão!
FOTO: Barraquinhas da Festa do Rosário em meados da década de 1950