Cornélio Ramos – Uma vida dedicada à cultura

Cornélio Ramos nasceu no dia 29 de setembro de 1910, no vilarejo de São Jerônimo dos Poções (MG). Mudou-se ainda criança para a cidade de Patrocínio (MG). Começou a estudar em sua terra natal, prosseguiu na cidade de São Gotardo (MG), concluindo no Ginásio D. Lustosa em Patrocínio. 

Depois de prestar serviço militar e receber sua caderneta de reservista submeteu-se a concurso no Ministério da Aviação em 1929, para ser admitido como funcionário da Estrada de Ferro Oeste de Minas, estrada que passou a fazer parte da Rede Mineira de Viação em 1933 e posteriormente ao grande complexo ferroviário da Rede Ferroviária Federal S.A. 

Como ferroviário rodou pelos quatro cantos de sua ferrovia, prestando serviço como conferente, telegrafista, agente ferroviário, chefe de estação, fiscal do tráfego e finalmente como Inspetor do Tráfego Ferroviário, último nível da carreira, no qual se aposentou após 43 anos de serviço. 

Nas suas andanças pelo Estado de Minas, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás, ao lado de seu trabalho foi colhendo subsídios para suas histórias, que eram esporadicamente publicadas em jornais do interior e reservistas literárias de Belo Horizonte. 

Como todo intelectual nunca se submeteu a orientação ou imposição política por parte da chefia da Estrada, sofrendo por isso mesmo, de vez em quando, perseguição injusta e repetidas transferências para regiões distantes e até para estações ermas e isoladas onde a par do castigo aproveitava o tempo para compor e burilar suas histórias e às vezes escrever artigos acres criticando seus perseguidores, artigos que eram publicados com agrado pela imprensa fofoqueira interiorana, mas, cuidadosamente subscritos com o pseudônimo José Jim, com a finalidade de evitar maiores complicações. 

Assim andou de Herodes para Pilatos. Empurrado de Patrocínio para Araxá, de Araxá para Belo Horizonte, de Belo Horizonte para Angra dos Reis, de Angra para Uberaba, sem contar os degredos em Guariroba, Ibitimirim, Argenita, Itiquapira, Itirapuan, Uruburetama e tantas outras isoladas estações, onde passava o tempo ouvindo o sibilar do vento nos fios telegráficos e o tilintar frequente do aparelho “Morse”, fiscalizando-o, para impedir o seu afastamento do posto. 

Seu último castigo foi quando a famigerada UDN ganhou as eleições em Minas Gerais. Em Bambuí para onde lhe empurraram seus artigos nas colunas do combativo semanário “Arte & Manha” incomodavam os prepostos do Sr. Milton Campos. Tramaram então o seu desterro para Goiás, onde imaginavam que deveria ter jagunços, índios e muitas onças e que assim se livrariam dele por lá; foi quando em 1950, Cornélio Ramos veio dar com os costados em Catalão. (Terra de gente maluca). Foi o melhor castigo de sua vida. Aqui chegou, gostou do lugar, fincou pé e pensou consigo: ” Daqui ninguém me tira”!… E não tirou mesmo. Empacou, até que uma reviravolta política aconteceu em Minas e Goiás e aqui o deixaram como chefe da Estação Ferroviária local por 23 anos. Seu prestígio melhorou e seu sacrifício passou a ser compensado com repetidas promoções até chegar ao último nível de sua carreira. 

FOTO: O escritor, em todo vigor dos seus 22 anos 

É com esse homem que vamos falar: 

V.S. – Sr. Cornélio, como surgiu a literatura em sua vida e como se tornou escritor? 

C.R. – Desde criança tive vocação literária. Tornei-me escritor graças ao meu emprego. Apesar dos sacrifícios que me impôs, proporcionou-me recursos para manutenção de minha família e nos meus repetidos degredos, tempo suficiente para estudar e escrever. 

V.S. – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelo escritor? 

C.R. Recuso financeiro e tempo para estudar e escrever. 

V.S. – O que é necessário para o desenvolvimento literário em Goiás? 

C.R. – A literatura, principalmente em Goiás, não oferece compensação financeira ao escritor. Para se tornar escritor é necessário ser rico ou ter um bom emprego que lhe proporcione meios para viver, e tempo para se ilustrar. 

V.S. – Quantos livros já escreveu e qual é o melhor deles?

C.R. – Sete. Amor em Quarto Crescente; Momento Lírico; Letras Catalanas; Catalão, Poesias, Lendas, e Histórias; Catalão de ontem e de hoje; Histórias e Confissões e Pequena História de Ouvidor. Gosto de todos, porém, creio ser “Catalão de Ontem e de Hoje” o mais útil, por oferecer importantes informações sobre nossa história. 

V.S. – Quais os escritores de sua preferência?

C.R. – Não tenho especificamente preferência por nenhum, gosto de quase todos. De Goiás por exemplo, vou citar alguns com os quais mantenho um relacionamento mais estreito: Bernardo Élis, Eli Brasiliense, Humberto Crispim Borges, Basileu Toledo França,  Bariani Ortêncio, Miguel Jorge, José Mendonça Teles, Ursulino Leão, Geraldo Coelho, Braz Coelho, Carmo Bernades, Colemar Natal, Primo Vieira, Kleber Adorno. Há porém muitos outros de cujos nomes nem me lembro no momento. A fauna cultural goiana é muito rica. Os brasileiros de outros Estados são muitos; vou mencionar apenas alguns poetas dos mais notáveis: Guilherme de Almeida, Olegário Mariano, Manoel Bandeira, Carlos Drumond, Murilo Mendes, Araújo Jorge, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo e Menoti Del Pichia. Quanto aos estrangeiros, li com agrado Thomas Hardy, Herman Hesse, Moris West, Frank Yerby, Leon Tolstoi, Máximo Gorki, isto sem falar em outros popularmente conhecidos. 

V.S. – Catalão é uma cidade de muitos valores culturais? 

C.R. – Sim. Tanto na literatura de um modo geral, como em outros setores como música e artes plásticas. 

V.S. – Cite os nomes de alguns escritores catalanos. 

C.R. – Catalão guarda do passado a lembrança de abalizados intelectuais, como Roque Alves de Azevedo, Gastão de Deus, Alceu Vitor Rodrigues, Ricardo Paranhos, Rodolfo Campos, Davi Persicano, Gerson Cunha e Wilson Democh. Dos contemporâneos, guardo com carinho em minha estante obras de Dilena Sampaio, Maria das Dores Campos, Elaine Rosa Teixeira, Anchieta Faleiros, Primo Vieira, Geraldo Coelho, Braz Coelho, Jamil Sebba, Júlio Pinto de Melo, Antônio Azzi, Luiz Augusto Sampaio e Willian Angel de Melo. É, entretanto preciso ressaltar que grandes talentos como Labiba Faiad, Marly Netto, Antônio Chaud, César Ferreira, Paulo Faiad e outros de que nem me lembro, continuam na obscuridade, talvez por modéstia, ou comodismo, com seus escritos engavetados, aguardando oportunidade para publicá-los. 

V.S. – O que deve ser feito para o desenvolvimento de nossa cultura? 

C.R. – A Casa da Cultura é um ponto de referência e apoio à nossa cultura; entretanto, os verdadeiros fabricantes de intelectuais são as escolas; quando elas baixam de nível, evidentemente, isso se reflete nos meios culturais. 

V.S. – Qual a sua opinião sobre a crise que o País atravessa presentemente?

C.R. – Crise?… Só se for política ou psicológica. O Brasil é um país muito rico, onde há fartura de tudo, inclusive de dinheiro. As agências de turismo custam a dar conta para atender os brasileiros que querem gastar seu dinheiro lá fora. Aqui dentro as estâncias hidrominerais e as belas praias de nosso litoral vivem cheias de pessoas a se divertir. Os automóveis de luxo enchem as ruas de quase todas as cidades brasileiras; nos postos o combustível é abundante; nos bares a cerveja é servida a vontade; o nivel de desemprego é o menor da América Latina. Crise mesmo, só para o pobre, que nunca saiu dela. Mesmo assim, hoje, muito atenuada, pois contam eles com facilidade para tudo. Casa na Vila Mutirão, médico e dentista nos postos de saúde, escola por todos os lados e tudo de graça e ainda uma modesta aposentadoria para os idosos e deficientes que não podem trabalhar. Antigamente não havia nada disso. 

V.S. – De que gosta mais: esporte, cinema, livros, música ou televisão?

C.R. – De tudo, principalmente televisão que nos traz tudo isso e ainda de quebra boas novelas. 

V.S. – Tem algum sonho a ser realizado? 

C.R. – Não. Sinto-me completamente realizado. 

V.S. – Qual o prato de sua preferência?

C.R. – O dos goianos: arroz com pequi e dos mineiros: frango com quiabo. 

FOTO: Cornélio Ramos parafinando alundos do Colégio Polivalente 

FOTO: Cornélio recebe homenagem da UBE-GO, em 86, das mãos do então presidente, Kleber Adorno, hoje secretário da Cultura

 

Catalão em minha vida

– Cornélio Ramos – 

Catalão de lutas, de paz e festas… 

Lembro-me ainda do teu centenário,

São João, Romaria do Rosário… 

Agosto, Junho e Outubro

Estão latentes a pulsar

No relicário rubro do meu cismar… 

O civismo da tua gente,

O romance, a devoção, 

Palpitando a explodir dentro do coração,

Num peito forte e ardente… 

Catalão… 

Igreja da minha fé, meu paraíso, 

Promessa de alegria e festas, 

Previsão de ternura e risos. 

Altar dourado de meus anseios… 

Catalão!… Campo Santo dos meus sonhos, 

Melancólico jazigo de meus devaneios… 

FONTE: Jornal A Voz do Sudeste – ANO IV– Nº 42 – Organização José Cândido – Catalão, 20 de outubro à 05 de novembro de 1988 – Página 8. 

FOTOS:  Jornal A Voz do Sudeste

O  prédio da antiga Estação Ferroviária do Catalão foi construído em 1940, tombado como patrimônio histórico municipal, transformado em Museu Histórico  e finalmente,  foi batizado com o nome do escritor. “MUSEU HISTÓRICO MUNICIPAL CORNÉLIO RAMOS