A Tradição de Finados em Catalão
Durante um tempo, o Dia de Finados era celebrado com tristes melodias em Catalão. A banda de música se colocava na entrada do cemitério municipal, logo de manhã, executando dobrados e marchas fúnebres, enquanto a população visitava os túmulos dos entes queridos ao longo do dia.
Esse ritual surgiu na década de 1930 e perdurou por quase vinte anos. Era uma ocasião solene, em que as pessoas conversavam sobre o passado, enfeitavam jazigos, túmulos e covas rasas, acendendo velas e orando pela alma dos falecidos. Tudo ao ritmo contagiante das melodias fúnebres executadas pela banda de música.
O Dia de Finados era resguardado com profundo respeito. Não era feriado, mas algumas lojas, bares e armazéns fechavam as portas. As pessoas evitavam palavrões, gargalhadas, o rádio era ligado baixinho e o dia transcorria lentamente ao som dos melancólicos dobrados. Nessa data, a comunidade prestava um sincero tributo aos antepassados indicando que, em Catalão, os mortos continuavam a governar os vivos.
O velório e o funeral eram muito importantes na sociedade tradicional. Inclusive, havia o costume de fotografar o morto no caixão, registros que muitas famílias guardavam para recordação posterior. Um velho costume que foi sendo relegado, com o tempo, e as fotos retiradas dos álbuns familiares. Vigorou a idéia de que seria melhor lembrar da pessoa viva do que no caixão.
Na zona rural de Catalão existiam vários cemitérios onde o Dia de Finados também era piedosamente celebrado. Especialmente em Santo Antônio do Rio Verde, Pires Belo, Coqueiros, Barra, Mata Preta, Olhos D’água e Pedra Branca. Além do que, existiram terrenos privativos de sepultamento, em antigas fazendas, que foram abandonados e perdidos no tempo. Mas, que tiveram sua importância numa época em que grande parcela dos habitantes morava na roça.
Na zona urbana de Catalão foram poucos os locais de sepultamento. Existia, desde o século XIX, o cemitério dos anjos, no alto do morro, onde enterravam crianças falecidas antes dos sete anos de idade. Era uma área cheia de pedras, de difícil acesso, mas bastante reverenciada pelos moradores. A primeira grande cruz foi erguida pela família de uma menina que sofrera catalepsia. Sob o temor de te-la sepultado ainda com vida, ergueram o cruzeiro em sua cova. Anos depois, um padre agostiniano, relembrando o calvário de Cristo, levantou mais duas cruzes e o lugar ficou conhecido como Morro das Três Cruzes.
Perto dali, no sopé do morro, existiu um antigo cemitério, cercado de muros baixos, que acabou superlotado na década de 1920. Era o terreno designado para sepultamentos na cidade, onde hoje se encontra a Praça Duque de Caxias. Os velhos coronéis de Catalão tiveram ali sua última morada. Como o senador Antônio Paranhos, assassinado e enterrado, sem pompa, numa madrugada chuvosa no início de dezembro, sob cerrado tiroteio contra seus familiares. Um dos algozes, capitão Carlos de Andrade, capturado e executado dois meses depois, foi sepultado do lado de fora dos muros daquele cemitério por ordens da família Paranhos. Interessante que o lugar foi abandonado, por décadas, se transformando em um terreno baldio. Somente depois recebeu as instalações do Tiro de Guerra e posteriormente virou praça pública.
No início da década de 1930 ficou demarcado e cercado um terreno para novo cemitério municipal, acima da cadeia pública. Os ânimos violentos ainda não haviam se acalmado em Catalão. Tanto que, o primeiro a ser enterrado, no local, foi um jagunço morto em entrevero pessoal. Ganhou uma cova rasa, aberta no lado esquerdo do portão principal.
Ali também foi sepultado o farmacêutico Antero, em 1936, depois de ser barbaramente arrastado pelas ruas do bairro da Grota. Ele fora acusado de mandante na execução de um fazendeiro respeitado e querido na região. Não houve inquérito conclusivo, mas grande parte dos moradores considerou Antero inocente da acusação, sem dúvida, pelo brutal martírio que havia sofrido. O seu túmulo continua sendo bastante visitado, há 85 anos, a ponto de se tornar um atrativo e memorial daquele cemitério.
Em 1980, o cemitério municipal também chegou a seu limite. As famílias importantes foram construindo jazigos e o terreno ficou inteiramente ocupado. Foi quando houve uma tentativa de alargar o perímetro em direção a casas vizinhas. Mas, a reação foi imediata. A prefeitura levantava novos muros que os moradores destruíam durante a noite. Não deu certo. Os muros retornaram ao traçado anterior e a rua ficou conhecida e batizada como Rua da Resistência.
Em 1983 foi doado um terreno para construção de um novo cemitério que levou o nome de Memorial Jardim São Pedro. Sua administração foi entregue a Sociedade São Vicente de Paulo e hoje é o espaço de sepultamentos na zona urbana de Catalão.
No Brasil, o Dia de Finados somente foi considerado feriado nacional a partir de lei aprovada em 2002. Mas, há séculos que as comunidades interioranas resguardam a data alusiva ao Dia dos Mortos.
Atualmente, em Catalão, não existem mais os graves dobrados da banda de música, tampouco a romaria que se formava em cemitérios no Dia de Finados. No entanto, a visitação aos antepassados revela que, no fundo, os mortos ainda continuam governando os vivos.
FOTO: Portões do Cemitério São Pedro
FOTO: Túmulo do Antero no Cemitério Municipal
FOTO: Rua da Resistência ao lado do Cemitério Municipal
FOTO: Portões do Cemitério Municipal de Catalão
Luís Estevam