VIDA RURAL DE ANTIGAMENTE

Houve um tempo em que o município de Catalão era enorme. Davinópolis, Ipameri, Campo Alegre, Ouvidor, Três Ranchos, Goiandira, Cumari, Anhanguera, Nova Aurora e Corumbaíba eram povoados ou distritos pertencentes a Catalão. Nessa época, a vida era basicamente rural. As pessoas somente vinham à cidade em ocasiões de festas ou para cumprir alguma obrigação nos cartórios. No mais, permaneciam nos lugarejos, roças e fazendas do município.
A vida no campo era bastante diferenciada nas grandes regiões do país. Em fazendas de São Paulo, por exemplo, plantava-se café para exportação, primeiramente com mão de obra escrava e depois com trabalhadores europeus assalariados. Nas estâncias do sul do país existiam pequenas propriedades altamente especializadas na lavoura, pecuária e agroindústrias domésticas. Já no nordeste brasileiro as imensas propriedades rurais serviam aos engenhos de cana de açúcar, com bois e mão de obra esparsos em fazendas longínquas, no árido sertão, onde os donos nem compareciam. Em Minas Gerais, por sua vez, a mão de obra escrava predominou por longo tempo, enriquecendo fazendeiros que construíram grandiosos sobrados em suas propriedades rurais.
Em Goiás, a vida rural era muito diferente. Principalmente no município de Catalão que recebeu a primeira onda de migrantes pelo sul do território. Aqui não se construíram sobrados vistosos em fazendas, não havia pequena propriedade e tampouco lavoura de exportação. Os donos da terra residiam nas próprias fazendas com a família e trabalhavam, no dia a dia, juntamente com os agregados, peões e sitiantes, voltados para o desbravamento da terra e a subsistência familiar.
Em Catalão não havia especialização produtiva. Pecuária e lavoura eram consideradas como atividade única. O gado sustentava a fazenda no período em que as lavouras eram preparadas e os moradores plantavam e criavam animais pensando unicamente na própria subsistência, sem objetivo comercial. Apenas o excedente de produção era vendido nos povoados ou transportado, em carros de boi, para o Triângulo Mineiro.
O trabalho diário era pesado e árduo. Sobrava pouco tempo para o lazer e as diversões. Além do que, as distâncias eram grandes e os roceiros viviam isolados e esparsos pelo imenso município.
Ainda bem que a vida rural tinha festas o ano inteiro. O assunto dos moradores, nas roças e nos currais, girava em torno das comemorações religiosas que ocorriam em toda a região. Algumas sobreviveram ao tempo e se tornaram tradicionais como a do Tambiocó, Coqueiros, Lourenço, Custódia, Varão, Cisterna, Mata-Preta, São Domingos, Morro Agudo e Cruzeiro dos Martírios. Eram festas em homenagem aos santos, que normalmente duravam vários dias com leilões, bailes e novenas. Muitos casamentos e uniões perenes começaram nessas celebrações festivas.
Mas, a vida rural carregava também as suas contrariedades. Não era somente um paraíso caboclo. O sonho dos jovens era adquirir um pedaço de terra para cultivar, uma vistosa mula para passear e uma carabina de repetição para caçar e se defender. O que nem sempre conseguiam. As mulheres solteiras, nas fazendas, sonhavam com um casamento livre, uma vida romântica ao lado do amado, o que dificilmente era permitido. As uniões eram escolhidas e determinadas pelos pais e monitoradas pela família.
O paraíso caboclo tinha fortes contradições. A honra valia mais que o dinheiro, a tradição mais do que a liberdade pessoal e o respeito à família era absolutamente inviolável. Por essa razão, desde os tempos remotos houve violência institucional, tanto no seio da família como no convívio entre os moradores.
A lei estava sempre ao lado do mais forte. O pioneiro da região de Goiandira, Tomás Garcia, por exemplo, gabava-se de ter adquirido aquelas terras e mandado alguns jagunços matarem o vendedor, na viagem de retorno a Minas Gerais, recuperando o seu dinheiro de volta. Com a artimanha, orgulhava-se de ter conseguido aquelas terras inteiramente de graça.
Além do que, havia legitimidade na justiça feita com as próprias mãos, caso fosse resultado de furtos ou de ofensas pessoais. De certa feita, dois viajantes roubaram um baú de moedas na fazenda dos Casados e membros da família Mariano foram no seu encalço, mataram-nos e recuperaram o dinheiro.
Os casos de violência eram corriqueiros na zona rural de Catalão e envolviam todas as camadas sociais. A família do coronel Marciano Salviano da Costa padeceu de violenta tragédia. Uma menina de três anos de idade desapareceu da fazenda, enquanto sua mãe estava no rego d’água lavando utensílios domésticos. Jamais foi encontrada, nem viva e nem morta. A família Salviano da Costa conviveu com esse rapto sem nunca ter tido qualquer pista para desvendar o caso. Acredita-se que o motivo tenha sido por vingança política. Verdade que o velho coronel Salviano, por motivos políticos, havia sido assassinado na porta de sua casa, gerando retaliações e várias mortes posteriores.
Um descendente daquela família ganhou fama e notoriedade pela sua coragem pessoal e crimes que praticou. Salvianinho não era um valentão, mas a vida o levou a cometer diversos assassinatos. O primeiro, ainda adolescente, atendendo o pedido de uma mulher, esposa de um peão da fazenda que sempre era espancada pelo marido. O segundo, em luta corporal com um baiano, no pátio da fazenda, que teimava em montar a mula predileta do seu pai. Outro, por ofensa a sua irmã, quando matou o cunhado e, por fim, numa festa de roça, quando conseguiu eliminar dois homens que atiravam contra ele, munido apenas de um punhal.
O justiceiro Salvianinho era religioso, de fala mansa, calmo, amigo das crianças, embora extremamente perigoso. Não procurava encrenca mas, de forma ocasional, ela sempre o encontrava. Foi criado na roça, misturado aos valentões da época. Um dos seus amigos do peito era José Dorneles, o famoso Cabeleira, que trabalhava de carreiro na fazenda do seu pai. Cabeleira foi responsável por vários crimes, mas foi morto em uma briga, em festa de roça, perto de Buriti Alegre. O seu irmão, Joaquim Dorneles, também foi executado, por um destacamento policial, no retiro em que morava no município de Catalão. Salvianinho, por sua vez, teve melhor sorte. Saiu de Catalão e foi para Jataí onde se tornou açougueiro e faleceu com avançada idade.
Infelizmente a memória popular não guarda o cotidiano dos moradores em suas alegrias e realizações. Tampouco os registros oficiais. Nos cartórios, os processos tratam de inventários, de escrituras de compra e venda ou delitos criminosos praticados por moradores.
Evidente que, inventários e escrituras são muito importantes porque permitem descobrir a genealogia das famílias e seu patrimônio. Mas, são informações que interessam, na maioria dos casos, apenas aos familiares envolvidos. Os delitos e crimes, pelo contrário, apontam para o modo de vida de antigamente e revelam a mentalidade das gerações passadas.
Inúmeros crimes ficaram na memória popular e estão devidamente registrados nos anais da justiça. Entre eles, o de Zé Carretel, assassinado na sua roça de milho por ter surrado uma prostituta na cidade e matado dois jagunços que foram no seu encalço. O do fazendeiro Albino Felipe, morto em tocaia quando se dirigia para sua propriedade rural. O de Vigilato Urias, na fazenda Pindaíba, que assassinou sua jovem esposa, Maria Ferreira da Fonseca, suicidando-se em seguida. O de João Silvestre Neto, que assassinou João Calaça por ofensa pessoal, no ato da venda de um cavalo. O de Claudino Pereira dos Santos que matou Antônio Crioulo por ofensa familiar. O de João Antônio da Costa que eliminou a tiros João Delfino Rosa em um batizado na roça. O de Antônio Bahiano que assassinou Magdaleno Alves de Oliveira, a machadadas, nos trilhos da estrada de ferro. O de José Francisco de Lima que matou o jovem Diolindo em função de bebedeira. O de Antônio Norato contra Sebastião Pereira com vários golpes de faca. O de José Pedro Bahiano que iludira a moça Diolinda Freire, morto pelos irmãos da vítima. O caso do sanfoneiro Sebastião
Domingos que, no intervalo de um baile em que tocava, montou em seu cavalo, assassinou um desafeto na roça, retornando à festa como se nada tivesse ocorrido… e assim por diante. Uma infinidade de tragédias no município de Catalão, com processos registrados e guardados em cartório.
Tudo isso faz parte de um passado melancólico, remoto e que se encontra devidamente sepultado na formação social de Catalão.
O importante é que, a vida rural de antigamente ainda provoca nostalgia em muitas famílias. Apesar dos desentendimentos, fuxicos e vinganças, o cotidiano do passado, no campo, proporcionou para a maioria de seus habitantes, alegrias e realizações que ainda evocam muitas saudades.

 

FOTO: Vista da antiga sede da fazenda dos Casados no município de Catalão

FOTO: Velha sede da fazenda Pé do Morro entre Catalão e Goiandira

Luís Estevam