Paulo Hummel – O Senhor dos Bloquetes
Na história da administração municipal de Catalão, alguns prefeitos, contrariando expectativas, causaram surpresa e ficaram na memória popular. Foram vencedores nas adversidades, obtendo êxito, mesmo quando as condições não permitiam uma boa administração.
Paulo Hummel foi um deles. A sua gestão tinha tudo para não dar certo: a prefeitura não possuía recursos em caixa, estava endividada, sem crédito na praça e com salários de funcionários atrasados. Além do que, o maquinário era quase inexistente e até mesmo ferramentas para os operários tinham que ser adquiridas.
Se fosse em condições normais, tudo poder-se-ia arranjar com o tempo. Mas, Paulo Hummel tinha somente um ano e meio de mandato e a Câmara Municipal, na sua maioria, era contra a sua gestão. Tanto que suas ações e pretensões, na administração, não foram sequer aprovadas pelos vereadores.
Apesar dos obstáculos, Paulo Hummel surpreendeu. No princípio teve de lutar contra tudo e contra todos. Mas, apoiado pelo líder político João Netto de Campos, revelou um temperamento obstinado, inovador e ousado, conquistando a população. E, no final de sua breve gestão acabou angariando também o respeito dos seus adversários políticos.
Tudo se deu exatamente na metade da década de 1960. Na época, o quadro administrativo e político de Catalão estava caótico. O prefeito Osark Vieira Leite, embora reconhecidamente um homem simples e honesto, fora definitivamente afastado de suas funções. A Câmara de Vereadores acatou denúncia de irregularidades e desvios financeiros cometidos pelos auxiliares de Osark Leite e votaram pelo seu impedimento.
Faltava pouco mais de um ano para o fim do mandato do prefeito cassado, quando o vice-prefeito Paulo Hummel assumiu o poder municipal. O quadro era desolador, conforme mencionado. Para agravar mais a situação, o golpe militar de 1964 complicou os trâmites políticos e o novo prefeito não tinha a quem recorrer também em níveis nacional e estadual.
Ainda assim, Paulo Hummel não titubeou. Ignorou as condições adversas, não desanimou face ao curtíssimo tempo que tinha de mandato e nem se assustou com a falta de recursos financeiros. Agiu de forma inusitada: tornou-se avalista pessoal das compras da prefeitura, assumiu contratos, assinou acordos para regularização de salários atrasados e rolagem de dívidas municipais.
As despesas que o novo prefeito assumiu foram bastante pesadas. Chegaram a comprometer o patrimônio pessoal que ele acumulara em função da herança paterna.
Interessante que, Paulo Hummel resolveu fazer uma administração enfrentando de cara os problemas mais onerosos e difíceis de infraestrutura: rede de esgoto e pavimentação. Até então, o trabalho rotineiro da prefeitura de Catalão se resumia ao encascalhamento das ruas, colocação de meio-fios e abertura de esgoto pluvial.
Valendo-se de antigas amizades, Paulo Hummel conseguiu aprovação de um projeto de esgoto pela Saneago e adquiriu o material necessário no Rio de Janeiro por intermediação do ex-prefeito Jacy Netto. Contando com a boa vontade de caminhoneiros catalanos, que trouxeram, aos poucos, o material do Rio de Janeiro, o prefeito começou a rede pioneira de esgoto residencial em Catalão, inteiramente com recursos municipais.
Em seguida veio a pavimentação de concreto. O prefeito destacou uma equipe de funcionários e a enviou para estágio numa indústria de bloquetes em Belo Horizonte. Em Catalão montou uma fábrica de artefatos de cimento bem ao lado de sua residência, no centro da cidade, aproveitando a água de sua própria casa. Milhares de peças foram confeccionadas e distribuídas pelas vias urbanas. Logo que se completava o serviço de esgoto, o leito da rua era tapado com bloquetes.
A paisagem urbana de Catalão foi se alterando com a pavimentação e os moradores aprovaram a novidade. Entusiasmado, no aniversário da cidade em 1964, Paulo Hummel prometeu ao público que, no ano seguinte, o desfile cívico seria todo realizado em vias pavimentadas. Para cumprir a promessa teve que produzir bloquetes em escala monumental e concentrar-se apenas nas ruas centrais. Na avenida José Marcelino, por exemplo, o prefeito teve que utilizar paralelepípedos para início do calçamento por falta de bloquetes.
Paulo Hummel ficou logo conhecido pela população. Principalmente pelas iniciais de seu nome em bloquetes nas ruas. Aconteceu que ele tinha uma marca de gado, com as suas iniciais, que ficava encostada na fábrica de artefatos. Um dos funcionários da prefeitura, por acaso e de brincadeira, marcou a face de alguns bloquetes com o ferro. Obteve a aprovação dos companheiros e posteriormente do prefeito. Desse modo, as vias urbanas de Catalão ficaram marcadas com as iniciais de Paulo Hummel.
Os bloquetes apagaram as marcas do atraso de Catalão. Nem tudo, entretanto, eram flores. Houve tentativa de desmoralização do trabalho de calçamento com danificação de vias pavimentadas exigindo intervenção policial e destacamento de vigias.
Mas, teimoso. Paulo Hummel prosseguiu na operação, marcando sua passagem pela prefeitura de forma criativa, útil e duradoura.
No curto período de sua gestão, ainda construiu várias praças, mais de uma dezena de escolas, eliminou o esbarrancado da Santa Casa, iniciou a avenida João XXIII e abriu a ligação do Crac com o bairro do Pio, entre outras realizações.
Paulo Hummel faleceu em janeiro passado aos 93 anos de idade. Aqui se abordou somente um ano de sua administração. O restante de sua vida está no interessante livro “O Eco do Passado” de sua própria autoria. Vale a pena conferir.
FOTO: Fábrica de bloquetes no centro de Catalão.
FOTO: Calçamento da Rua Formosa onde se vê a antiga farmácia N.S. das Graças e casarão da Dona Diva Aires.
FOTO: Material e mão de obra utilizados em esgoto residencial (1964).
FOTO: Bloquetes na rua de cima da Praça Getúlio Vargas. Rua Juca Cândido.
FOTO: Bloquetes na rua de cima da Praça Getúlio Vargas. Rua Juca Cândido.
FOTO: Obra de pavimentação em frente o Cine Teatro Real.
FOTO: O prefeito Paulo Hummel em despacho (1965).
Luís Estevam
(Membro da Academia Catalana de Letras)
Fotos: Acervo de Rosana Hummel