Memórias de um Peregrino – A META ALCANÇADA
Falar da chegada é muito mais que descrever o último trecho da caminhada, em tudo similar às demais etapas na Galícia. Desde que saí de Santa Irene, fui tomado por um entusiasmo fora do comum, uma grande plenitude, uma autoconfiança que me fazia sentir capacidade de mudar não somente a minha vida, mas o próprio mundo. Caminhei firme, alegre, satisfeito. Várias vezes me peguei a cantar ou chorar de alegria. Nem a subida da serra que antecede o aeroporto ou o interminável sobe-e-desce antes do Monte do Gozo, chegaram a abalar-me. Achei-as suaves, não sei se pelo entusiasmo ou se, realmente, não exigiam grande esforço.
Às 11h15, menos de três horas depois da saída, já me encontrava no Monumento aos Peregrinos, no Monte do Gozo, onde parei para apreciar a visão da cidade de Santiago, que tem cerca de 100 mil habitantes, com seu pequeno centro medieval, no qual se destaca a Catedral, visível de longe.
Emocionei-me ao ver, gravada em uma das quatro faces do monumento, a inscrição: San Francisco: Peregrino em Santiago. Pensei, então, se o grande santo caminhou por essas trilhas, eu pisei em seus rastros e isso não ficará sem consequências. Não deixou de ser uma modesta e incipiente maneira de seguir os seus passos.
Tirei fotos junto ao monumento e segui para o albergue do Seminário Menor, a uns 5 km adiante, aonde cheguei pouco após o meio-dia. Havia feito, naquele dia, uma média de mais de 5 km/h, meu recorde desde Roncesvalles. Uma família de alemães (pai, mãe e duas adolescentes), que tantas vezes vi pelo caminho, acompanhou-me pela cidade, até adentrarmos o Seminário, onde me hospedei.
Tomei um banho e saí para conhecer o centro de Santiago. Apanhei minha Compostellana (atendido por um brasileiro) e fui almoçar. Enviei postais e circulei pela parte medieval da cidade. Depois de um mês carregando a mochila, achava estranho caminhar sem aquele peso, sentindo as pernas leves.
A cidade estava apinhada de turistas, com fila até para se visitar a catedral, que tem proporções colossais e um patrimônio artístico-cultural incalculável. À noite, saí com Juan Bueno pela cidade, quando tive a oportunidade de assistir a espetáculos musicais e teatro ao ar livre. Os bares e restaurantes estavam lotadas e foi muito agradável o reencontro com tantos companheiros e companheiras do Caminho. Não se falava mais em bolhas, cansaço e dores. Somente sorrisos, abraços e beijos. A meta havia sido alcançada.
FOTO: Eu, no Monumento aos Peregrinos, na entrada da cidade
FOTO: Eu, de frente à Catedral de Santiago de Compostela
FOTO: Vista de Santiago de Compostela
FOTO: Catedral de Santiago de Compostela
FONTE: Extrato do livro Memórias de um Peregrino, de Paulo Hummel Jr