O dia que não começou igual

Silêncio: hoje ela não reclamou dessa “carroça velha”.

Dia após dia, ouço, exatamente às sete da matina, que o ônibus é uma carroça. E velha. É fácil decorar o discurso… sempre dito e alto e bom tom. Mas não hoje. Ela entrou em silêncio (finalmente). Confesso, me deixou decepcionada e me fez acreditar que alguma coisa aconteceu. Ela não está bem, essa não é a sua essência. Poderia ser o contrário, a senhora até poderia estar passando por algo enquanto reclamava. Mas tenho fé de que aquele era o seu natural.

Existem pessoas que nasceram para reclamar (e esse texto é uma constatação, não uma reclamação). E o que seria de nós se elas não existissem? Certo, pessoas mais felizes, talvez. Mas não é difícil pensar no quanto elas nos ensinam todos os dias.

Eu, por exemplo, tenho meus dias. Reclamo por ter que acordar, por ter que levantar, até por ter que fazer café, mesmo que eu esteja morrendo de vontade. Às vezes, é como se um caminhão tivesse me atropelado durante o sono. Mas olha, isso passa. Diferentemente da senhora. Posso apostar que amanhã ela entrará no ônibus reclamando da tal carroça velha. O engraçado é que ela grita como se estivesse murmurando (e eu rio por dentro, como se estivesse gargalhando).

E, amanhã, será exatamente assim: a senhora dos cabelos platinados entrará, reclamará, sentará naquele banco individual, e eu descerei no meu ponto. Nós vamos seguir a vida, na esperança de nos vermos amanhã. Olhe, senhora, criamos um vínculos, você e eu. Mas essa é a vida, não é? Acordamos, criamos vínculos, seguimos o baile, dançamos a dança dos dias, ora imposta, ora escolhida, reclamamos, agradecemos, suplicamos, enfim. Vivemos.

No final das contas, isso não passa de mais uma fase nesse jogo da vida. E, então, temos, por fim, a consciência de que existe uma outra certeza na vida (além da morte, claro): a de que amanhã é um outro – e novo! – dia.

Texto: Estela Fiorin

Fotos: Reprodução Internet

 

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