CATALÃO: relampejos e histórias – A homenagem do BLOG da Maysa Abrão aos 158 anos da Atenas de Goiás
POR: Cairo Mohamad Ibrahim Katrib
Doutor em História. Docente da Universidade Federal de Uberlândia – Faculdade de Educação
As terras de Catalão, são terras de muitos sujeitos. Uns que vieram de lá; outros que vieram de cá. Pessoas comuns que nas suas comunidades, bairros, famílias são protagonistas de histórias vividas, sonhadas e praticadas. A cidade é um grande mosaico que se funde com a liga das falas, das memórias e das histórias de homens e mulheres; catalanos, forasteiros. Catalão é o o lugar do sonho, do desejo de dias melhores, da luta pela sobrevivência, do reconhecimento de que “viver aqui é bom demais!”. Mas, voltar ao passado não se resume ao exercício nostálgico de relembrar os velhos tempos; é possibilidade de se pensar o futuro.
Voltemos ao passado. Catalão é a cidade em que inúmeros moradores ilustres e anônimos viveram e recriaram no ir e vir das memórias, muitas histórias e elegeram muitos personagens. Histórias essas alimentadas pela força daqueles que abraçaram a Atenas de Goiás[I] como sua terra natal. Homens, mulheres, brasileiros, estrangeiros, catalanos. Desbravadores guiados pelo afã por dias melhores, espelhando-se no “espanhol bandeirante”[II], incorporaram a perseverança do imigrante, as práticas e saberes da lida com a terra da gente mineira e paulista, fortaleceram os laços de pertença com o lugar, delineando o que viria a ser os contornos do município de Catalão.
Na paragem do “catalão”, a história local se refez e homens e mulheres encontraram e constituíram famílias,fincaram suas raízes, semearam esperanças de dias melhores e de muita fartura. E suas histórias se cimentaram com o musgo do progresso por todo o curso do ribeirão Pirapitinga. Esse progresso trouxe também as melhorias que chegavam dioturnamente e a cada dia os canteiros de obras se pipocavam pela cidade fazendo brotar hospitais, escolas, prédios e estabelecimentos comerciais tirando a rigidez do solo do cerrado esperanças e riquezas. Mas dali também brotou os mandos e desmandos dos coronéis; as disputas entre os “papo roxo” e os “papo amarelo” – codinomes dos membros dos antigos partidos políticos, mais tarde ARENA e MDB, que se digladiavam pelo comando local.
Acompanhando as águas do Pirapitinga de um lado, os trilhos da estrada de ferro de outro, os moradores esperavam a chegada da paz e do progresso tão apregoado assistindo às disputas políticas. E lá em cima do Morro São João ou do Morro das Três Cruzes, intensificavam suas orações à espera desse momento em que uma cidade próspera e pacata viesse a florir. Ah, nesses morros juntos com os sonhos de um futuro promissor as pessoas também colocavam em prática sua fé, festejavam, se divertiam nas quermesses, encontravam seus amores e estreitavam laços, pois nas capelas no alto da cidade muitos casamentos se realizaram. E foi lá do alto, que muitos moradores viram a cidade ganhar forma.
A cada bairro que surgia um santo era homenageado: São João, Nossa Senhora Mãe de Deus, do Rosário, dentre muitos outros. Neles, o campo também se fez presente contribuindo para o crescimento populacional com a sua própria dinâmica, pois muitos moradores da área rural possuíam suas casas nessas localidades. Escolhiam estrategicamente os setores localizados nas saídas para as comunidades, como é o caso do bairro São João. Não sem motivo, porque é aí que está a rodoviária[III], Era dali, que os moradores rurais faziam suas paradas e embarques trazendo nas malas queijos, doces, frangos caipiras, melado, farinha, hortaliças. Por sua vez, os produtores rurais abasteciam-se com o que era preciso para a manutenção e melhoria de suas propriedades: sal, farinha de trigo, querosene, tecidos, sapatos, panelas, pregos, martelos…
Ali, os cheiros do campo misturavam-se aos da cidade, principalmente durante o almoço nas pensões ou bares que ofereciam os tradicionais pratos feitos, momento de estreitar as amizades, fortalecidas ainda nas pausas para os cafés nas casas dos familiares, compadres e comadres. As ruas de Catalão tinham e ainda têm seu cotidiano modificado quando das festas, procissões e feiras livres. De maio a julho se enfeitam de bandeirolas, fogueiras e muita diversão em homenagem aos santos juninos, esquentando as noites frias daquele mês. Em outubro, por mais de dez dias, o centro da cidade é tomado pelo colorido da festa do Rosário e, por todos os bairros, o som dos tambores anuncia que Catalão está em festa. Aos domingos, os gritos e foguetórios invadem todos os espaços quando os jogadores do Leão do Sul, vestindo o azul e branco, as cores do Clube Recreativo Atlético Catalano – o CRAC, adentram o gramado para mais uma partida de futebol.
Se Catalão hoje, no presente e no agora uma espécie de espelho do mundo é porque teve um passado de muito trabalho, onde catalanos, forasteiros e imigrantes fizeram dela a “cidade de doutos e heróis” fazendo com que Catalão conhecesse um grande impulso socioeconômico, integrando-se aos grandes centros urbanos. Com a passagem da ferrovia na cidade, houve um aumento significativo do contingente populacional, sobretudo em virtude da chegada dos migrantes e imigrantes. O município passou por modificações expressivas com a instalação de charqueadas, curtumes e cerealistas, fruto do investimento no comércio e pequenas indústrias de transformação da matéria-prima em mercadorias para o consumo direto da população regional, de Goiás e de outros estados. Essas empresas beneficiavam e distribuíam o arroz, o milho, o charque[IV], o couro curtido, vendido para fabricação de calçados e outros produtos.
Catalão deu um salto qualitativo em relação a outras cidades de Goiás, tornando-se uma das mais importantes em crescimento econômico e populacional com a construção da rodovia BR-050 e a inauguração de Brasília no governo de Juscelino Kubitschek (1955-1961), que fizeram parte das políticas desenvolvimentistas de integração nacional implementadas por esse governo, inseriram-na novamente no contexto regional e nacional, integrando-a ao Distrito Federal, a São Paulo, a Uberlândia e a outros centros de destaque econômico do país.
A partir dos anos de 1970-1980, com o início do processo de exploração e industrialização de nióbio e fosfato, houve novo crescimento urbano à medida que empresas industriais e comerciais ligadas a esses minérios se fixaram na região. O ritmo dessas mudanças seguiu o compasso das transformações históricas e das necessidades dos diversos atores sociais, principalmente dos migrantes vindos do sul, guiados pelos projetos econômicos dos governos militares, elegendo o Cerrado como terra produtiva de grãos para exportação, além da pecuária extensiva.
Modificações também ocorreram no setor educacional, com os centros de formação profissionalizantes, as graduações e pós-graduações ofertadas pela Regional da Universidade Federal de Goiás e faculdades de ensino superior, melhorando o nível de qualidade da mão de obra local, da produção de conhecimento, contribuindo para tornar Catalão polo econômico regional.
A Catalão do “Anhanguera”, do espanhol Catalão, “de Antero e seu calvário”, morto violentamente no ano de 1936 acusado de um crime ainda sem solução. Ficam as saudades das antigas festas de São João realizadas no Morro da Saudade, da prática de aguar o cruzeiro no cimo do morro das Três Cruzes, quando os fiéis pediam chuva em época de seca. Reminiscências amenizadas pela manutenção de práticas culturais como a montagem dos tapetes de flores e serragem das procissões católicas, do bendizer com festas como a congada, aquela que homenageia a padroeira da cidade, mas que referenda também a ancestralidade negra e a grande Mãe Iemanjá – “a mamãe do Rosário” cantada e cultuada pelos congadeiros.
Permanece a saudade das tantas quermesses, da troca de quitutes entre os muros das residências, das pamonhadas que reuniam as famílias, incentivando o contar, o recontar e o relembrar de muitas histórias; ficam também as saudades das conversas ao final da tarde nas calçadas e portas das inúmeras residências da cidade, do passeio dominical pelas praças centrais, da tradicional visita à feira de domingo em busca dos gêneros para o almoço desse dia ou para saborear pastéis e rever os amigos; das benzeções, dos oratórios ornados, reforçando a religiosidade das famílias locais, além das acirradas disputas políticas.
Não podemos esquecer as novas formas de religiosidade que se mesclam, identificadas na expansão das igrejas evangélicas petencostais e neopetencostais, sem contar os muitos terreiros de umbanda e candomblé que se espalharam pela cidade, acompanhando seu ritmo de crescimento, expressão da diversidade religiosa local, propagada ao som dos batuques, oriundos dos diferentes quintais, espaço de materialização das práticas religiosas e culturais afro-brasileiras.
Viver Catalão é recordar um passado nostálgico, revisitar alguns personagens ilustres. Qual catalano não conheceu ou conhece o Zé do Trem, o Boca de Jaú, a Tranquila, o Zalada, a Tilita, o Quero a Chave, o Bozó, o Pinga com Farinha, tantos personagens populares que alegraram e alguns ainda alegram com suas características peculiares o universo cotidiano das ruas da cidade? Viver o agora é conviver com os percalços e problemas que borbulham com o progresso e com o crescimento da cidade. Sentir o agora é perceber os foços da cidade como a falta de segurança, de saúde, educação, lazer, cultura, emprego…
E o futuro? Esse fica por conta dessa grande quantidade de novas-velhas pessoas que, atraídas pelo “viver aqui é bom demais”, sonham e contribuem por dias melhores, pois no jogo da vida, o resultado é sempre uma incógnita… Que venham outras histórias vividas e recriadas! Que venha o FUTURO…
[I] O termo Atenas de Goiás está presente no Hino de Catalão, escrito nos anos de 1900 por Aguinaldo de Campos Neto para enfatizar uma cidade promissora, importante, uma vez que em grego a palavra Atena remete a uma época da Grécia Antiga marcada pelas grandes conquistas políticas e reconhecida como o berço da civilização e das artes ocidentais.
[II] Esse espanhol, segundo os relatos memorialísticos, acompanhava as expedições das Bandeiras e foi ele quem, supostamente, desenvolveu a primeira roça que deu origem ao município.
[III] A Rodoviária Ciro Netto é também conhecida como rodoviária do São João, em virtude do bairro em que se localiza.
[IV] Carne salgada que passa por processo de secagem natural exposta ao sol ou em ambientes arejados.