O que é Sincretismo?

Sincretismo é a fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova, seja de caráter filosófico, cultural ou religioso. O sincretismo mantém características típicas de todas as suas doutrinas-base, sejam rituais, superstições, processos, ideologias e etc.

Etimologicamente, a palavra “sincretismo” se originou a partir do grego sygkretismós, que significa “reunião das ilhas de Creta contra um adversário em comum”, que por sua vez foi traduzido para o francês syncrètisme, dando origem, consequentemente, à variante na língua portuguesa.

O processo de sincretismo está intrinsecamente ligado às relações de comunicação entre grupos sociais heterogêneos, ou seja, com diferentes culturas, costumes e tradições. Quando ocorre o contato e se desenvolve um convívio entre estes grupos distintos, surgem “adaptações” nos vários aspectos culturais, fazendo com que um grupo “absorva” o sistema de crenças do outro.

Um exemplo deste processo foi a adaptação e absorção que o cristianismo fez de conceitos das religiões pagãs na Europa durante a consolidação da Igreja Católica no continente. A Igreja utilizou os costumes e tradições dos pagãos em benefício da doutrina cristã, reconstruindo os discursos já estabelecidos nas sociedades pagãs em nome do cristianismo.

Sincretismo religioso

O processo de sincretismo mais conhecido e o mais estudado é o sincretismo religioso.

O sincretismo religioso é a mistura de uma ou mais crenças religiosas em uma única doutrina. Este modelo de sincretismo, assim como o cultural, nasce a partir do contato direto ou indireto entre crendices e costumes distintos.

No Brasil, por exemplo, o sincretismo religioso nasce desde a chegada dos primeiros colonizadores portugueses, se intensificando com a presença dos escravos africanos, que, em contato com a população nativa do Brasil (os indígenas), disseminou os seus costumes, rituais e tradições.

. Na história das religiões, o sincretismo é uma fusão de concepções religiosas diferentes ou a influência exercida por uma religião nas práticas de uma outra.

No Brasil o sincretismo religioso é uma prática bastante comum.Mas tudo começou a partir do ano de 1500, quando o território brasileiro tornou-se palco para o encontro de três grandes tradições culturais: a ameríndia, nativa da terra; a européia, trazida pelos colonizadores portugueses e mais tarde a africana, trazida pelos escravos bantos e sudaneses. Um encontro que foi desde o início marcado pela imposição da cultura européia às populações indígenas e africanas, refletida, principalmente, na imposição da cristã da Igreja Católica Apostólica Romana a esses dois grupos.

Para se viver no Brasil, nesta época, o índio e o negro mesmo como escravo, e principalmente depois, sendo livre, era indispensável antes de mais nada, ser católico. Por isso eles que cultuavam seus deuses e tinham suas bases religiosas bem estruturadas, no Brasil se diziam católicos e se comportavam como tais, além de praticarem os rituais de seus ancestrais, freqüentavam os ritos católicos.

Há antropólogos que insistem que a assimilação Santo/Orixá era aparente e, inicialmente, serviu para encobrir a verdadeira devoção aos seus deuses, pelo fato dos cânticos nesses rituais terem sido efetuados em língua nativa e que ninguém os entendia. Um fato histórico que pode opor-se a este pensamento é a criação das confrarias de negros, como exemplo a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, na Bahia, que era totalmente composta por negros que haviam realmente se convertido ao Cristianismo e não eram apenas uma fachada.

Essa tentativa forçada de aculturação sempre encontrou resistência, o que acabou resultando em várias tentativas feitas por indígenas e africanos de conciliar os princípios de suas culturas e, por conseqüência, de suas tradições religiosas, a doutrina cultural e religiosa que lhes eram impostas.

Na tentativa de preservação dos princípios e práticas religiosas indígenas e africanas, por meio da conciliação com os princípios e práticas católicas, acabaram levando ao nascimento de várias manifestações sincréticas em solo brasileiro, únicas no mundo, algumas delas existentes até os dias de hoje. Mas infelizmente existem poucos estudos sobre a grande maioria delas, o que veremos aqui, é uma pequena idéia de como eram as bases dessas duas culturas religiosas, o sincretismo entre elas e os processos que deram origem a essas outras.

O início de tudo se deu com a religiosidade Tupi, embora várias nações indígenas habitassem o território brasileiro durante os primeiros anos da colonização européia, nenhum grupo foi tão influenciado pelos portugueses quanto os tupis, que no século XVI dominava quase todo o litoral brasileiro e era formado pelas tribos Potiguar, Tabajara, Caeté, Tupinambá, Tupiniquim, Temiminó e Tamoio.

É muito difícil tentar reconstruir com detalhes as tradições religiosas e crenças tupis na época do descobrimento do Brasil, pois o que sabemos sobre elas deve-se aos relatos feitos por europeus que por diversos motivos se estabeleceram aqui no início do período colonial, os quais não se preocuparam em estudar e deixar registros detalhados das mesmas. O que podemos apreender dos relatos dos primeiros colonizadores sobre a religiosidade tupi foi que seu ponto central era o culto à natureza deificada ou divinizada. O pajé e o feiticeiro ou xamã eram os que tinham acesso ao mundo dos mortos e dos espíritos da floresta, e geralmente a eles competiam realizar rituais de cura de doenças, expulsarem maus espíritos que se alojavam nos corpos das pessoas e desfazer feitiços mandados pelos inimigos. A ingestão de alimentos e bebidas fermentadas em muitos grupos tinha uma função ritualística. Mesmo a antropofagia que caracterizou os tupinambás se revestia de um tom sagrado, pois Acreditavam que, comendo a carne dos seus inimigos, apoderavam-se de sua valentia e coragem.

Os tupis possuíam uma divindade suprema do bem que denominavam Nhanderuvuçu, deus da criação, da luz e a quem competia o ato divino do sopro da vida. Nhanderuvuçu teria sua morada no Sol e manifestava-se nas tempestades através de sua voz, na forma de Tupã Cinunga e de seu reflexo, na forma de Tupã Beraba. Segundo Câmara Cascudo e Osvaldo Orico, grandes historiadores e estudiosos da cultura brasileira, somente com o trabalho da catequese, e com a confusão feita pelos jesuítas, que Nhanderuvuçu passou a ser chamado de Tupã, em virtude das formas como essa divindade se manifestava durante as tempestades.

Os tupis acreditavam também em outras divindades, como Guaraci (o deus do sol), Jaci (deusa da lua), Caapora (deus da floresta), Uirapuru (deus dos pássaros), Iara (deusa das águas) e em uma entidade civilizadora denominada Iurupari, filho da virgem Chiuci, que teria sido mandando a terra por Guaraci para reformar os costumes dos seres humanos. Segundo Diamantino Trindade essa crença que lembrava muito a história de Jesus Cristo, teria deixado os jesuítas apavorados.

Como forma de tornar a religião católica mais fácil de ser assimilada pelos indígenas, os jesuítas associou ao seu deus e santos os nomes de algumas divindades tupis. Foi assim, por exemplo, que Nhanderuvuçu passou a ser chamado de Tupã e foi transformado em Deus/Pai.

Entretanto, na maioria dos casos, os jesuítas associaram os deuses indígenas aos demônios da doutrina católica. Foi o caso, por exemplo, de Iurupari, que teve sua imagem totalmente invertida e acabou sendo associado ao próprio diabo, embora sua história lembrasse muito a de Jesus.

Isso tudo acabou gerando a primeira religião sincrética surgida no Brasil da junção da Religiosidade Tupi e do Catolicismo, que ficou conhecida como SANTIDADE, nome criado por Manoel da Nóbrega, em 1549, quando viu um pajé em transe pregando a outros indígenas.

Os adeptos da Santidade cultuavam um ídolo de pedra, chamado de Tupanaçu, que acreditavam possuir poderes sagrados, rezavam usando cruzes, terços e rosários, construíam “igrejas” e colocavam tábuas com desenhos de símbolos sagradas nelas, cultuavam alguns santos católicos e entoavam cantos em honra aos mesmos, faziam um ritual semelhante ao batismo e realizavam procissões.

Neste mesmo período, com o início dos trabalhos de catequese na região amazônica, a partir da cidade de São Luís do Maranhão, iniciou-se um processo de sincretismo entre a religiosidade ameríndia local e o catolicismo, semelhante ao que ocorrera no litoral tupi, levando ao surgimento da religião sincrética conhecida pelo nome de PAJELANÇA.

Embora o termo pajelança acabe sendo usado também para designar todo e qualquer ritual ameríndio, ele aqui designa a religião sincrética de caráter mágico-curativa que ainda existe nos dias de hoje na região amazônica, sobretudo nos estados do Pará e do Amazonas. A exemplo da Santidade, nos rituais da Pajelança são encontrados o uso de trajes nativos (pena, arco, flecha, colares, máscaras), cantos e danças, a fumaça derivada da queima do tabaco e o consumo de bebidas fermentadas, que permitem ao pajé entrar em transe místico e ter visões e incorporar espíritos. Em algumas Pajelanças pode-se encontrar também a devoção aos santos católicos.

Uma característica marcante da Pajelança é que além de incorporarem os espíritos dos antepassados das tribos e de antigos chefes do culto, os pajés também incorporam espíritos animais, sejam eles reais como: jacarés, botos, cavalos-marinhos, cobras ou imaginários como: mãe d’água, cobra-grande, e por meio dos quais descobriam a causa das doenças de seus consulentes e os remédios para eles.

Festa do Senhor do Bonfim
Na foto: Lavagem do Bonfim: irreverência, devoção e sincretismo religioso marcam uma das maiores e tradicionais festas religiosas da Bahia.. 
Foto:Alberto Coutinho/AGECOM

 

FONTE: Texto retirado do Livro “Sincretismos Religiosos Brasileiros” de Renato Henrique Guimarães Dias.

FONTE: https://www.significados.com.br/sincretismo/

Apoio: CAIRO MOHAMAD IBRAHIM KATRIB – Docente da Universidade Federal de Uberlândia desde 22 de setembro de 2006. Atuou na construção do Projeto Pedagógico dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado História do Campus do Pontal-Ituiutaba, no processo de expansão da UFU, sendo docente do curso de História desse Campi de 2006 a 2015. Foi coordenador de área dos cursos de Ciências Humanas da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal-Campi Ituiutaba-Pontal de 2010 a 2013, Tutor Pet Conexões Saberes-MEC de 2010 a 2015, Coordenador de conteúdos da Diretoria de Comunicação Social da UFU de 2013 a 2016. Coordenou pesquisa de Levantamento patrimônio Cultural dos municípios atingiidos pela Hidrelétrica Serra do Facão-Goiás-Minas Gerais de 2008 a 2011. é membro de várias equipes de pesquisas na área de História, Cultura Popular, Relações raciais e Religiosidade afro-brasileira. Atualmente é docente da Faculdade de Educação -FACED, da Universidade Federal de Uberlândia-UFU. Coordenador dos núcleos de Estudos e pesquisas NEPERE – Núcleo de estudos e pesquisas em Educação das relações raciais e do DOCPOP – Núcleo de Pesquisas em cultura popular e produção de vídeo documentário. Professor colaborador do cursos de Especialização Eja para a Diversidade.É coordenador de extensão do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros-NEAB. Dentre os projetos em desenvolvimento se encontram a produção dos documentários: Congado-Cultura Herdada e Mulheres de fé, ambos em fase de finalização. É autor e organizador de várias coletâneas e livros, além de ser parecerista Ad hoc de várias revistas nacionais na área de História e Educação.