Recordações da Academia Catalana de Letras – Randolfo Campos

A Academia Catalana de Letras relembra que, em Catalão viveu um homem que tinha opiniões firmes, defendia o progresso da cidade e criticava abertamente qualquer chefe político que demonstrasse estar interessado em apenas arrotar valentia ou unicamente assegurar o poder. Isso ocorreu na primeira metade do século passado, um dos períodos mais violentos da história política de Catalão. Seu nome era Randolfo Campos, um advogado, professor e poeta que somente andava armado. Armado com a cultura, a bravura de caráter e uma inesgotável capacidade de trabalho.

Randolfo Campos lutou contra a transferência da Cruz do Anhanguera para a Cidade de Goiás opondo-se ao juiz Luiz do Couto e demais autoridades estaduais. Apesar de maçon, uniu-se ao Monsenhor Souza na criação do Colégio Mãe de Deus onde trabalhou, por muitos anos, sem remuneração. Defendeu causas jurídicas contra poderosos da época e se destacou como orador e poeta, a ponto de o próprio Ricardo Paranhos escrever a sua biografia.

A primeira metade do século passado foi uma etapa de grandes acontecimentos em Catalão. Na política, foi um período muito conturbado e violento, quando alguns intendentes e delegados deixaram um rastro triste no comando do município. Mas, em termos econômicos foi a época em que, estrada de ferro, novas indústrias e uma variedade de casas comerciais fizeram de Catalão a cidade mais progressista do estado. Na dimensão social, centenas de imigrantes estrangeiros assentaram as malas passando a trabalhar e a residir no município. Foi a época da fundação do Colégio Mãe de Deus, da Loja Maçonica Paz e Amor III e de criação de vários jornais que marcaram presença na cidade. Em termos arquitetônicos Catalão esteve em obras: coreto na praça central, palacete do Nasr Fayad, nova cadeia pública, Cine Real, nova igrejinha de São João, prédio onde funciona hoje a Fundação Cultural, Colégio Mãe de Deus e a maioria das estilosas residências da cidade.

Foi nesse ambiente de progresso que viveu Randolfo Campos. Mineiro de São Gotardo, morou em várias cidades antes de fixar residência em Catalão. Sua primeira formação educacional foi religiosa. Aos dezoito anos esteve atraído pelo protestantismo, preparando-se para ser ministro da igreja presbiteriana. Chegou, inclusive, a estudar teologia e línguas no Colégio Internacional de Campinas sob a orientação do pastor John Boyle, fundador da congregação no Brasil.

John Boyle, a propósito, foi o primeiro missionário presbiteriano no Triângulo Mineiro e em Goiás. Nascido no Kentucky, veio para o Brasil em 1879 fixando residência em Mogi-Mirim, de onde evangelizou vasta região, de Uberaba a Paracatu. Alguns anos depois, Boyle mudou-se para Bagagem (Estrela do Sul) onde conheceu o jovem Randolfo Campos. O pastor viajava continuamente. Chegou a pregar em Catalão e em várias cidades de Goiás.

Em 1892, com a morte de John Boyle, Randolfo Campos continuou sua formação em São Paulo. De família pobre, seus pais não podiam custear-lhe os estudos. Por isso, lecionava e estudava ao mesmo tempo, adquirindo conhecimento com esforço pessoal em diferentes cidades.

Em 1899, Randolfo Campos se casou com Benildes Donae Victor Rodrigues, moça de tradicional família catalana. Viveram juntos por duas décadas. Quando sua esposa faleceu, no Rio de Janeiro, retornou para Catalão. Desse casamento nasceram Tharsis e Jairo que posteriormente se tornaram eminentes advogados e juristas. Viúvo, Randolfo casou-se a segunda vez em Estrela do Sul com Henriqueta Borges, em 1922, quando nasceram Héber e os gêmeos José Mário e Maria José.

A preocupação cultural de Randolfo Campos ficou evidente quando, em Catalão, defendeu a não-transferência da Cruz do Anhanguera para a capital. Não pela cruz em si, mas pelo patrimônio histórico que representava. Esteve, de forma inabalável, contra a decisão do juiz Luiz Ramos de Oliveira Couto e das autoridades do estado. Lutou tenazmente contra o translado pelos jornais e saiu, de casa em casa, explicando à população catalana o absurdo daquele ato. A escritora Maria das Dores Campos (Mariazinha) testemunhou que, “no dia em que a cruz foi levada à estação ferroviária, carregada por rapazes e moças de nossa sociedade, ao som da banda de música e foguetes, ele, no momento em que a cruz foi colocada na prancha, fez um violento discurso em frente aquela multidão que, inconsciente cooperava para com a atitude do Juiz de Direito, nos roubando aquele marco histórico”.

Na verdade, Randolfo Campos não esteve sozinho na luta contra a transferência. Ele pertencia à Loja Maçonica Paz e Amor III, guardiã da relíquia, na qual chegou a ser Venerável.
Pouco tempo depois, com o fechamento do Colégio Sagrada Família, Randolfo Campos intercedeu junto às autoridades pela criação do Colégio Mãe de Deus. Mesmo sendo maçon, uniu-se ao esforço do Monsenhor Souza na vinda das madres espanholas para o Brasil, demonstrando invejável tolerância religiosa. Foi professor daquele colégio sem nada receber pelo trabalho. De acordo com Mariazinha, “era um homem pobre de dinheiro e este ordenado lhe fazia falta para atender as diversas necessidades do lar, em cuja companhia também viviam os seus pais. No entanto, não só trabalhava de graça como era ainda o secretário e advogado deste estabelecimento que, no seu início, necessitou de muita boa vontade e apoio moral da população catalana”.
Como advogado, Randolfo Campos atuou em processos originados de perseguições políticas, sem temer represálias por parte dos poderosos. Também assumiu várias funções públicas. Foi, durante muitos anos, tabelião do 2° Ofício em Catalão, secretário da Intendencia, encarregado da Agência Municipal de Estatística e, de certa feita, juiz de Ipameri. Sua capacidade de trabalho era notável.

Como orador, falava de improviso nas reuniões sociais e proferiu inúmeras palestras. Conta Maria das Dores que “tinha uma aparência calma, falava geralmente baixo e pausadamente; mas quando excitado por alguma injustiça ou acalorado por um entusiasmo patriótico, principalmente em benefício de Catalão, modificava-se completamente de um momento para outro. Sua voz tornava-se forte e altiva, era rápido nas expressões, violento nas atitudes e temido pela segurança e firmeza com que acusava ou defendia os fatores que pudessem impedir ou promover o progresso de Catalão”.

Randolfo Campos foi considerado um dos homens mais cultos do Sul de Goiás. Escrevia regularmente em jornais de toda a região. Foi redator e colaborador do “Goyaz e Minas” (1901-1904), escreveu assiduamente no “Correio de Catalão” (1914-1918) e, na década de 1920, no jornal “Novo Horizonte”.

Numa coluna do “Goyaz e Minas”, chamada Arcadia Catalana, Ricardo Paranhos escreveu uma extensa biografia de Randolfo Campos, publicada em 15 de outubro de 1904, enaltecendo a sua cultura, inteligência e capacidade poética. Para Ricardo Paranhos, ele merecia estar “sem exagero algum”, entre os maiores vultos da literatura do país. Em suas palavras: “É incontestável um verdadeiro poeta e, se outro fora o meio em que exerce a sua atividade, de há muito teria o seu nome se tornado conhecido nas letras pátrias, ao lado de Olavo Bilac, Raimundo Corrêa, Cruz e Souza, Luiz Murat e outros, brilhante plêiade que mais parece um punhado de estrelas”.

Randolfo Campos, informou Mariazinha, deixou um caderno com 54 poesias, escritas de próprio punho no período de 1897 a 1934. Escreveu praticamente a vida toda. É patrono da cadeira 11 da Academia Catalana de Letras.

FOTO: O presbiteriano John Boyle (1845-1892).

FOTO: Brasão da Loja Maçonica Paz e Amor III em Catalão.

FOTO: Foto recente da Cruz do Anhanguera levada para a Cidade de Goiás.

FOTO: Poesia de Randolfo Campos dedicada a esposa Benildes (1899).

FOTO: Randolfo Campos (1873-1947).

Luís Estevam

 

 

Haroldo Campos Randolpho Campos foi o professor de Português dos primeiros padres franciscanos, americanos, que aqui chegaram na década de 40.
Dizia que o segredo da vida era ter um um interesse destacado, mas inúmeros outros ao mesmo tempo.
Assim, um forte passatempo seu era encadernar livros. Residiu em Belo Horizonte, na Avenida Paraná, residiu no Rio de Janeiro, onde possuiu uma farmácia no Largo da Tijuca, lecionou no Colégio Gammon, em Lavras, foi Intendente da Prefeitura de Catalão, Juiz em Ipameri. E etc.
Isto muito era facilitado pelo hábito de trabalhar permanentemente noite e madrugadas adentro, quando julgava ( e estava correto) a produção intelectual era fervilhante: passou o hábito aos descendentes. O jornal Goyaz e Minas foi criado por ele e um amigo araguarino: era muito comum o jornal atacar os chefes políticos, que mandavam destruir (“empastelar” a gráfica era o termo então): pois se era empastelado em Catalão, imprimiam em Araguari. Empastelado em Araguari, imprimiam em Catalão, desorientando os coronéis da política de então.
Quando a esposa faleceu, no Rio de Janeiro, os dois filhos eram crianças. Deixou sua educação a uma tia dos garotos, que residia na Rua da Lapa, e retornou a Catalão: ali foram educados, no Colégio Pedro II, e depois na antiga Faculdade Nacional de Direito, Tharsis e Jairo Campos, e seus primos catalanos Francisco Victor Rodrigues ( depois professor titular da hoje UFRJ, cadeira de Gineco-Obstetrícia, membro titular da Academia Nacional de Medicina, com livros seus, de sua área, adotados em toda América Latina, e Wagner Estelita Campos, deputado federal por Catalão, ocupando vários órgãos de destaque, até professor da UnB ( seu livro Chefia e Liderança teve edições em várias línguas), e Ministro da TCU. Foi graças a ele que a Rio- Santos, hoje BR-50, deixou de passar por Itumbiara, passando por Catalão, reduzindo em 160 km a distância, marco destacado no progresso da região.
Quando os jovens de Catalão embarcaram na estação ferroviária de Catalão, então RMV, com destino à Europa, rumo à Segunda Guerra Mundial,
Randolpho Campos fez um vibrante discurso de despedida na plataforma da Estação Ferroviária, segundo o Professor João Martins Teixeira (um dos convocados), “vão meus filho, ajudar tio Sam a ganhar a guerra”!!
Randolpho Campos morreu pouco tempo após encerrada a II Guerra, em 1947.
Tenho o privilégio e a honra de ocupar sua Cadeira na Academia Catalana de Letras, após o falecimento de Maria das Dores Campos, que a ocupou anteriormente.

 

Rubens Rodrigues Muito bom. Vale ressaltar que Luiz Ramos foi também membro da Loja Maçônica Paz e Amor III, tendo sido inclusive seu Venerável Mestre.
O embate entre os fois pela Cruz do Anhanguera deve ter sido grande.
Está registrado no histórico da Loja. Que foi a guardiã deste monumento, desde seu local de origem até o translado para a Capital.

 

 

 

 

 

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